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  • Quem tem medo da ciência?

    #PraCegoVer [Fotografia]: Ao fundo, uma biblioteca com diversos pergaminhos organizados em prateleiras de mármore escuro; ao centro, a atriz Rachel Weisz, que interpreta a Filósofa, Matemática e Astrônoma Hipátia, vestindo uma túnica de tons claros enquanto segura alguns dos pergaminhos, com os olhos arregalados e a boca entreaberta. Fonte: https://www.theguardian.com/books/2019/dec/19/the-tenth-muse-catherine-chung-review O ataque e desvalorização das ciências, principalmente das ciências humanas, tem ganhado força nos últimos tempos. Além de enfrentar os diversos cortes nos auxílios para pesquisadores, na era digital, o conhecimento científico precisa encarar seu mais novo inimigo: as Fake News. A velocidade e a facilidade com que se espalham já ajudou a eleger governos e principalmente a “viralizar” o medo. Tornou-se comum se deparar com notícias falsas nas redes sociais e nos grupos de Whatsapp e, a fim de combatê-las, pesquisadores, especialistas e cientistas precisam constantemente desmenti-las, tarefa que está se tornando mais difícil a cada dia. Um levantamento publicado em julho de 2019 verificou que, entre os brasileiros, 73% desconfiam da ciência e 23% consideram que a produção científica pouco contribui para o desenvolvimento econômico e social do país [1]. Não apenas a população acredita nisso, como também é incentivada a fazê-lo, e como resultado temos cada vez mais cortes na educação e pesquisa das universidades públicas. O filme Ágora (Alejandro Amenábar, 2009), que se passa entre os séculos IV e V depois de Cristo, conta a história de Hipátia de Alexandria, matemática, filósofa e astrônoma que foi perseguida e morta brutalmente por cristãos, sendo acusada de bruxaria e ateísmo. Ela é uma das primeiras mulheres da ciência sobre a qual temos conhecimento, mas infelizmente nenhum dos seus trabalhos originais sobreviveu: toda a sua obra foi apagada numa tentativa de que sua vida caísse em esquecimento. Hipátia possuía grande influência na política e era muito respeitada por todos. #PraCegoVer [Ilustração]: Imagem em preto e branco, datada do século 19 na França, intitulada “Morte da Filósofa Hipátia” (título traduzido, em tradução livre). À esquerda da imagem, temos um cavalo amarrado à uma biga; ao fundo, diversos homens com apontam para a direita, enquanto outros carregam pedras e as atiram contra uma mulher jogada no chão, que é arrastada na direção apontada por eles. Fonte: https://www.revistaquestaodeciencia.com.br/index.php/artigo/2019/04/25/tres-faces-de-hipatia-de-alexandria O assassinato de Hipátia não foi uma consequência apenas de sua produção científica, mas também de não aceitar se converter à religião católica, bem como não se conformar com o papel de submissão e com o silêncio feminino imposto pela Igreja. A filósofa representava tudo o que o catolicismo condenava, uma mulher de grande influência que, diferente de muitos de sua época, não aceitou a imposição da fé cristã e se manteve fiel à busca pela verdade através da ciência. O anti-intelectualismo e o ataque à verdade, segundo o professor Jason Stanley [2] seriam uma tentativa de silenciar os estudos que evidenciam as desigualdades e as universidades, onde esses questionamentos têm origem. Stanley aponta essa prática como um dos pilares das políticas fascistas em ascensão ao redor do mundo. A desvalorização, cortes nas bolsas de pesquisa e permanência, a desmoralização e até mesmo uma certa “demonização” tanto da ciência quanto dos cientistas abrem espaço para que as chamadas “pseudociências” se disseminem e ganhem cada vez mais adeptos. Não é raro encontrar canais no Youtube que criam e defendem teorias da conspiração que servem como fonte de informação para diversas pessoas, como por exemplo a teoria da Terra plana. Nos tempos de pandemia, a mais nova fake news que circula é sobre termômetros com sensor infravermelho causarem morte dos neurônios e interferirem na glândula pineal, responsável pela produção e regulação de diversos hormônios. Mesmo com todos os esforços dos órgãos públicos de vigilância sanitária e de saúde em desmentir essa notícia, muitos estabelecimentos passaram a medir a temperatura de seus clientes pelo pulso. Por mais absurdos que sejam, esses conteúdos são muito mais compartilhados e chegam com mais facilidade na população do que tudo o que é discutido e produzido dentro dos muros da universidade. Os projetos de extensão e a democratização das ciências são de extrema importância para que o conhecimento chegue o mais longe possível. A valorização da ciência e da educação são de extrema importância para o combate da ignorância e do medo e devem ser incentivados, assim como fez Hipátia. Gabriela Bucalo Graduanda em Geografia (FFLCH) e bolsista no Projeto CineGRI, ciclo 2020-2021. #Hipatia #Ágora #MulheresNaCiência #Ciência #FakeNews Referências bibliográficas: [1] RODRIGO DE OLIVEIRA ANDRADE. Resistência à ciência. Pesquisa FAPESP, Edição 284, Páginas 17-21, outubro 2019. Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/resistencia-a-ciencia/. Acesso: 02 de outubro de 2020. [2] PEZZO, Mari. Conhecimento sob ataque. Disponível em: https://www.labi.ufscar.br/2019/05/02/conhecimento-sob-ataque/ Acesso em: 02 de outubro de 2020. MELO, Amanda Soares de. As várias faces de Hipátia de Alexandria. Disponível em: https://www.revistaquestaodeciencia.com.br/index.php/artigo/2019/04/25/tres-faces-de-hipatia-de-alexandria/ Acesso em: 02 de outubro de 2020.

  • É só querer?

    #PraCegoVer: [Fotografia]: À esquerda, um céu aberto azul com poucas nuvens brancas. À direita, a parte superior de um moinho em tons de bege e um menino negro se segurando na estrutura, construída com árvores, e olhando para baixo. Fonte: https://revistatrip.uol.com.br/upload/2020/01/5e3075e675695/trip-menino-descobriu-vento-materia3.jpg No início dos anos 2000, a combinação de inundações e um terrível período de seca posterior a elas deu origem a uma crise alimentícia em países africanos, especialmente no Malawi, onde cerca de 300 pessoas morreram de fome [1]. É nesse contexto que se passa a história da família de William Kamkwamba, contada no filme O menino que descobriu o vento (Chiwetel Ejiofor, 2019, Netflix). Moradores de uma vila no Malawi, a família e os vizinhos de William tinham como sustento o plantio de grãos. Preocupados em investir no futuro dos filhos, seus pais o enviaram para a escola, mas, com a seca e, consequentemente, sem sua principal fonte de renda, tiveram de tirá-lo. Entretanto, William, que sempre fora curioso, continuou frequentando ilegalmente a biblioteca da escola, até encontrar um livro chamado “Usando a Energia”. Ali, ele leu sobre a tecnologia do moinho que, gerando energia eólica, poderia, com o uso de uma bateria, bombear água e distribuí-la através de toda a plantação. Seu objetivo passa a ser construí-lo, o que faz com a ajuda do livro, baterias de ferro velho e uma bicicleta. Assim, a vila pode voltar a plantar, mesmo sem chuva. A história é baseada na vida do verdadeiro William Kamkwamba, que, após salvar sua vila da fome aos 14 anos, ganhou uma bolsa de estudos em uma escola da capital de Malawi, na African Leadership Academy e no Dartmouth College (EUA). A trajetória de Kamkwamba é um retrato da dificuldade da obtenção e produção de conhecimento longe dos grandes centros. Ele foi muito bem sucedido em salvar sua comunidade, mas, a fim de continuar seus estudos, teve que migrar, primeiro para a capital do país e, posteriormente, para outro continente – situação muito comum no Sul Global. Tomemos o Brasil como exemplo. De 2011 a 2018, houve um aumento de 184% no número de pessoas que saíram do país para dar continuidade aos seus estudos [2]. Esse número se refere a pessoas em busca de mestrado ou doutorado e o motivo principal é a falta de estrutura, investimento e valorização da pesquisa no Brasil [3]. Quando olhamos para os números de alunos que estão entrando na graduação, 10% migram para outro estado para poder cursar faculdade [4]. Esse número, em 2010, era de 25%: muitos deixam de ir devido ao alto custo de moradia associado a um auxílio baixíssimo dado pelo governo; tantos outros sequer chegam a cursar o ensino superior, pois não podem pagar e não foram aprovados em uma instituição pública [5]. Nos ensinos médio e fundamental, não faltam relatos de alunos que precisam ir à outra cidade para estudar ou andar 10 km todos os dias por não terem acesso ao transporte público [6]. A realidade é que, devido à falta de políticas públicas para todas as etapas da educação em nosso país, a combinação entre distância e baixa renda é impeditiva à educação de boa parte das pessoas. Como alternativa a essa situação, têm crescido o número de cursinhos populares, casas de cultura periféricas, saraus e outros modelos informais de ensino. Muitas vezes organizados pelos poucos moradores daquela comunidade que chegaram ao ensino superior, cursinhos como a Rede Emancipa e o FASE têm papel fundamental na aprovação dos jovens. Alternativas virtuais, como o Univirr, em Roraima, também existem. Os centros de promoção cultural de papel formativo, como o CAPSArtes e o Pagode da 27, no Grajaú (SP), promovem debates e organizam bibliotecas comunitárias [7]. William Kamkwamba é um desses jovens que conseguiram seguir o curso formal da educação e voltaram para sua comunidade a fim de ajudá-la de maneiras informais. Na vila, ele instalou painéis solares para que os alunos pudessem ter computadores e projetores, patrocinou um time de futebol e quer criar um centro de inovação para que as pessoas tenham a oportunidade de desenvolver seus próprios projetos — de modo que histórias como a sua não sejam só exceção. Kamkwamba tem uma inspiradora trajetória que, distanciando-se muito de um discurso meritocrático, mostra que o que faltam são oportunidades e, que, a despeito da falta de ajuda do governo, elas estão sendo proporcionadas por aqueles que, depois de irem, voltam e as constroem para a próxima geração. Em suas palavras: “Talento é universal, mas oportunidade ainda não é” [8]. Julia Salazar Graduanda em Letras (FFLCH) e bolsista do Projeto CineGRI Ciclo 2020-2021. #OMeninoQueDescobriuOVento #AcessoÀEducação #Educação #CentroPeriferia #Migração Referências bibliográficas [1] Pelo menos 2,6 milhões de pessoas passam fome na África austral. Uol Notícias, 2002. Disponível em: Acesso em: 26/09/2020. [2] SILVEIRA, Everaldo da. Fuga de cérebros: os doutores que preferiram deixar o Brasil para continuar pesquisas em outro país. BBC News Brasil, 2020. Disponível em: Acesso em: 26/09/2020. [3] GARCIA, Janaina. Cientistas em fuga: Forçados a deixar o país por oportunidades, eles refletem sobre a carreira no exterior e o futuro do Brasil. Ecoa, 2020. Disponível em: Acesso em: 26/09/2020. [4] PALHARES, Isabela. Nas faculdades federais, só 10% optam por estudar fora do Estado de origem. Folha de SP, 2018. Disponível em: Acesso em: 26/09/2020. [5] Pesquisa: maior parte dos alunos não ingressa na universidade por falta de dinheiro. O Globo, 2017. Disponível em: Acesso em: 26/09/2020. [6] Crianças caminham 11,6 km para ir à escola em novo bairro de São Carlos. G1, 2016. Disponível em: http://g1.globo.com/sp/sao-carlos-regiao/noticia/2016/05/criancas-caminham-116-km-para-ir-escola-em-novo-bairro-de-sao-carlos.html Acesso em: 26/09/2020. [7] SOUZA, Gabriel. Cursinhos populares são aliados para estudantes das periferias. Portal Aprendiz UOL, 2019. Disponível em: Acesso em: 26/09/2020. [8] CARNEVALLI, Érica. Ele construiu um moinho a partir do lixo para levar energia e água para sua vila na África: William Kamkwamba conta como aprendeu sozinho, por meio de livros, a criar um sistema elétrico que mudou a sua comunidade. Época, 2019. Disponível em: Acesso em: 26/09/2020.

  • A indústria alimentícia como obstáculo da preservação ambiental

    #PraCegoVer [FOTOGRAFIA]: No centro da imagem, Tilda Swinton, que interpreta a personagem Lucy Mirando, está olhando diretamente para a câmera. Uma mão à esquerda, perto do seu rosto, está indo maquiá-la, enquanto uma mulher atrás, à direita, ajeita seu cabelo. Fonte: https://www.comunidadeculturaearte.com/tilda-swinton-a-netflix-foi-o-unico-estudio-que-aprovou-o-projeto-okja/#. Durante muito tempo, a indústria de peças, os meios de transporte por combustíveis fósseis e a produção de energia foram classificados como os maiores problemas para o aumento de gases do efeito estufa. Entretanto, a pecuária possui um impacto enorme na ocorrência das mudanças climáticas. Além das substâncias liberadas pelo gado, deve-se destacar as queimadas e os desmatamentos. Estes mecanismos têm a intenção de fazer novos espaços campos para criação dos animais, ou para a plantação de seus alimentos. Somado a essa questão, entra o debate ético proposto por movimentos veganos acerca das condições que estes animais são criados, além de indagar se seria necessário matá-los para poder consumir mais carne, pois existem alimentos alternativos suficientes para garantir nossa alimentação. Estreado em 2017, Okja, filme dirigido pelo cineasta sul-coreano Bong Joon-ho, está inserido neste debate. O longa inicia com Lucy Mirando (Tilda Swinton) revelando uma nova descoberta, uma espécie de superporco para ajudar a enfrentar a fome mundial. Filhotes de superporco são dados a fazendeiros por todo o mundo e o melhor seria premiado e apresentado ao público em um grande evento, que se daria dez anos depois de suas doações. É nesse momento que conhecemos a protagonista Mija (An Seo Hyun) e sua superporca e amiga, que se chama Okja, estas convivem juntas desde pequenas. Passados os dez anos, Okja ganha a competição e agora deve ser levada para Nova Iorque. Mija não consegue impedir, partindo de sua casa para tentar recuperar Okja da empresa e da futura morte. É durante este caminho que a garota encontra a Frente pela Libertação Animal, que a ajuda no resgate. Um dos objetivos torna-se evidenciar mundialmente as barbaridades cometidas pela empresa Mirando, esta que pode facilmente representar parte da indústria alimentícia que abate animais para o consumo humano. #PraCegoVer [FOTOGRAFIA]: À esquerda, temos a personagem Mija, interpretada por Seo-Hyun Ahn, tocando com a mão direita o rosto de Okja, à direita. As duas estão com os rostos próximos e a imagem amplia o olho da superporca, que parece observar Mija. Fonte: https://veja.abril.com.br/blog/isabela-boscov/okja/ Bong Joon-ho preocupa-se em demonstrar de maneira real como seria o abatedouro dos superporcos. As cenas finais conseguem recriar bem um cenário onde o gado fica concentrado, além disso, o filme apresenta realisticamente a crueldade pelas quais passam os animais. O longa, portanto, vai se transformando em uma narrativa que busca questionar as estruturas que orientam nosso consumo de alimentos no cotidiano. Quando vamos ao mercado, dificilmente temos a real dimensão do processo pelo qual originou aquela carne que queremos comprar. Esta distância nos afasta da preocupação de como está sendo o processo de criação destes animais de abate, além dos outros danos ecológicos envolvidos. Alguns estudos têm demonstrado como a pecuária e sua indústria estão sendo responsáveis por emitir ao menos 32 bilhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2) por ano, chegando a atingir 51% de todas as emissões de gases de efeito estufa em todo o mundo. Estima-se, ainda, que a pecuária também é responsável por 65% de todas as emissões humanas relacionadas com o óxido nitroso, este que é outro gás que contribui enormemente para o efeito estufa, cerca de 296 vezes mais o potencial de aquecimento global representado pelo dióxido de carbono, permanecendo na atmosfera por cerca de 150 anos.[1] Ao assistir Okja, além de se dar conta da importância de construir uma alternativa mais ecológica aos nossos modelos de produção, como promover políticas públicas que facilitem ainda mais o acesso a nossa variedade de alimentos vegetais que podem substituir o consumo da proteína de origem animal, também entendemos a necessidade do nosso atual momento histórico, que pede uma ação rápida ao sofrimento animal e o grande impacto no meio ambiente exercido pela pecuária, como Leonardo Boff ressalta que "a situação atual se encontra, social e ecologicamente, tão degradada que a continuidade da forma de habitar a Terra, de produzir, de distribuir e de consumir, desenvolvida nos últimos séculos, não nos oferece condições de salvar a nossa civilização e, talvez até, a própria espécie humana; daí que imperiosamente se impõe um novo começo, com novos conceitos, novas visões e novos sonhos, não excluídos os instrumentos científicos e técnicos indispensáveis; trata-se sem mais nem menos, de refundar o pacto social entre os humanos e o pacto natural com a natureza e a Mãe Terra."[2] Rafael Bento Graduando em Ciências Sociais (FFLCH) e bolsista do Projeto CineGRI Ciclo 2019-2020. #Okja #MudançasClimáticas #Veganismo #Pecuária #AquecimentoGlobal Referências bibliográficas [1] CHIAPETA, Marina. Muito além da exploração animal: criação de gado promove consumo de recursos naturais e danos ambientais em escala estratosférica. Disponível em: https://www.ecycle.com.br/component/content/article/63-meio-ambiente/3908-muito-alem-da-exploracao-animal-criacao-gado-promove-gastos-recursos-naturais-danos-ambientais-em-escala-estratosferica-emissoes-gases-uso-agua-terra-alimento-desmatamento-pastagem-residuos-contaminacao-exploracao-excessiva-fome-pesticidas-pegada.html/ Acesso em: 26 de agosto de 2020. [2] BOFF, Leonardo. Sustentabilidade: o que é – o que não é. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.

  • A verdade inconveniente do aquecimento global

    #PraCegoVer [FOTOGRAFIA]: À esquerda da imagem, uma projeção em 3D do planeta terra, com os continentes em verde, as partes com gelo em azul claro e o mar em azul escuro. À direita, está o ex vice-presidente do EUA, Al Gore, em pé, vestindo um terno preto e uma camisa social azul clara. As alterações climáticas referem-se à variação do clima em escala regional ou global da Terra ao longo do tempo. Dizem respeito a mudanças de temperatura, precipitação, nebulosidade e outros fenômenos climáticos em comparação aos dados de médias históricas. Com o advento da primeira Revolução Industrial, o processo de mecanização foi massificado em nível global, o que elevou os níveis de gases resultantes da queima de combustíveis fósseis, dentre eles o gás carbônico, o metano e o óxido nitroso. Esse aumento faz com que a radiação incidente na terra não saia (visto que parte do calor deve ser dissipado para fora do planeta); então, os gases concentram-se na camada de ozônio, acirrando o fenômeno chamado de efeito estufa e aumentando a temperatura do planeta. Isto causa o evento a que convencionou-se chamar de aquecimento global, que leva ao degelo das calotas polares e ao aumento do nível dos mares, influenciando diretamente no equilíbrio dinâmico da natureza. Levando em consideração o fato de que a arte imita a vida, seja no cinema, na pintura e na literatura, é comum que estas manifestações tragam problemáticas da sociedade, espelhando os problemas existentes na realidade. Isto não seria diferente em relação à influência da industrialização intensiva, do desmatamento e dos impactos de ambos na natureza, especialmente no aquecimento da atmosfera. O documentário Uma verdade inconveniente (2007), dirigido Davis Guggenheim e apresentado pelo ambientalista e ex-vice-presidente dos Estados Unidos da América Al Gore, retrata de forma realista as consequências do aquecimento global no século XXI, mostrando os mitos e equívocos existentes em torno do tema e também possíveis saídas para que o planeta não passe por uma catástrofe climática. Para isso, Al Gore utiliza um discurso tipicamente informativo, elaborado a partir de palestras realizadas em vários lugares do mundo. O apresentador aborda de maneira precisa como a temperatura do planeta terra se intensifica, tendo como causa os impactos ambientais de ações antrópicas, relativas às que o ser humano vem cometendo contra o próprio meio em que vive. O derretimento das geleiras nas mais diversas partes do planeta, por exemplo, é resultado destas ações - devido ao aumento massivo dos gases do efeito estufa e os impactos climáticos do desmatamento e das queimadas. Embora os dados divulgados pelo IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) chamem a atenção sobre a relação intrínseca entre o aumento da temperatura e a concentração de dióxido de carbono na atmosfera, a ocorrência desses fenômenos vem se intensificando cada vez mais, como é notável pelas enchentes, as secas e os furacões. O sumário executivo do IPCC aponta para a importância de combater o desmatamento, promover recuperação florestal, mudar práticas agrícolas e frear a degradação das terras no mundo inteiro como medidas capazes tanto de combater a mudança do clima quanto de promover a adaptação da sociedade a elas. A redução do desmatamento e da degradação tem o potencial de mitigar até 5,8 bilhões de toneladas de CO2 por ano no mundo. Al Gore aponta diversas catástrofes relacionadas ao aquecimento global, dentre elas o furacão Katrina nos Estados Unidos, as intensas ondas de calor na Europa, as inundações na China e o derretimento das geleiras do Monte Kilimanjaro. O ambientalista ressalta que sempre foi considerada quase impossível a formação de furacões no Atlântico Sul, porém, em 2004, o Brasil foi atingido pelo furacão Catarina. É importante ter em mente que a intenção de Al Gore não é escandalizar e assustar as pessoas ao apresentar estes dados, mas reiterar que o nosso planeta é um recurso finito, embora nosso sistema econômico priorize o lucro em detrimento da natureza. Diante deste cenário, é necessário realizar a mudança de postura, consciência, hábitos e principalmente de produção, a fim de que as empresas adotem um modo de criação mais sustentável. Que isso seja feito enquanto possível, para que não se faça valer o provérbio indígena utilizado como um aviso ao mundo pelo Greenpeace: "Quando a última árvore tiver caído, quando o último rio tiver secado, quando o último peixe for pescado, vocês vão entender que dinheiro não se come.” A chance de mudar o amanhã está no hoje. Karolina da Silva Ávila Graduanda em Geografia (FFLCH/USP) e bolsista do projeto CineGRI 2019/2020. #Sustentabilidade, #Aquecimentoglobal, #Efeitoestufa, #Meioambiente, #conscientização, #Algorenobeldapaz Referências bibliográficas Climate change and IPCC special report on climate change, desertification, land degradation and greenhouse gas fluxes in territorial ecosystems, IPCC, 2019, disponível em: https://www.ipcc.ch/report/ar5/wg1/ Acesso em: 27/08/2020

  • Da questão da moradia à questão social

    "(...) embora individualmente o capitalista lamente a escassez de moradia, dificilmente mexerá um dedo para dissimular mesmo que superficialmente suas consequências mais terríveis, e o capitalista global, o Estado, também não fará mais do que isso" (ENGELS, Friedrich. Sobre a questão da moradia, p. 100) Fonte: Direito à moradia - FAU/USP #PraCegoVer [FOTOGRAFIA]: Imagem do alto mostrando uma enorme quantidade de casas e, mais ao horizonte, diversos prédios e arranha-céus. Quase não há áreas verdes. Leva é o termo que caracteriza um ajuntamento de pessoas e é também o nome do documentário de Juliana Vicente e Luiza Marques [1] que retrata uma ocupação no centro de São Paulo. A obra mostra o ambiente da ocupação, composto por pessoas que, em sua maioria, vieram de outras regiões do país e quando chegaram a São Paulo, se depararam com o ônus excessivo do aluguel. A trama ajuda a compreender o porquê as pessoas ocupam e ao mesmo tempo denuncia o fato de que apesar do número de pessoas sem-teto que vivem nas ruas, há um número ainda maior de imóveis vazios nas grandes metrópoles. O déficit habitacional é um dos indicadores que nos ajuda a ter dimensão da quantidade de pessoas residentes em moradias construídas com materiais não duráveis ou improvisados, ou que vivem em locais que não foram arquitetados com o objetivo de serem habitados por uma família e/ou que possuem um número excessivo de pessoas vivendo em um pequeno espaço. Em suma, nos ajuda a ter uma noção da quantidade de pessoas que não possuem uma moradia “digna”, adequada para viver e ter lazer. Segundo a pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias em parceria com a Fundação Getúlio Vargas, o Brasil possui um déficit de 7,78 milhões de moradores [2]. Além deste número, conforme alguns dados indicam, temos ainda 4 milhões de famílias em domicílios sem banheiro; 35 milhões vivendo sem acesso a água tratada e 100 milhões sem rede de esgoto. No mais, são cerca de 7 milhões de imóveis vagos, dos quais 6,3 milhões possivelmente teriam condições de serem convertidos em moradia [3]. Para termos uma dimensão estrutural da questão, basta olharmos para o Reino Unido, nascedouro do capitalismo industrial, e veremos que a situação lá não é muito diferente da encontrada aqui no Brasil [4]. O caso do RU é ilustrativo porque representa uma região do primeiro mundo e que possui um quadro semelhante ao do Brasil em relação à questão da moradia. Na verdade, no mundo todo a situação não é das melhores, e uma previsão feita pela ONU mostrou que em 2030 cerca de 3 bilhões de pessoas sofrerão com o déficit habitacional, das quais 2 bilhões estarão em áreas invadidas ou em favelas [5]. Os indicadores de déficit habitacional sobre o cenário atual nos levam a questionar como, para esses milhões, bilhões de pessoas mundo afora, adotar as medidas recomendadas pela OMS, tanto de isolamento social quanto de higienização? Ou, indo na raiz da questão: por que tanta gente sem casa e tanta casa sem gente? Do déficit habitacional, chegamos numa questão um pouco mais ampla, a saber: a questão da moradia. Porém, como interpretar os dados que trouxemos na nossa análise? Um ponto de partida interessante talvez seja as obras do marxista Friedrich Engels (1820-1895): A situação da classe trabalhadora da Inglaterra [6] e Sobre a questão da moradia [7]. Sobretudo nesta última, Engels mostra como a questão da moradia é tratada dentro do sistema capitalista e como as soluções dadas por dentro desse sistema são insuficientes e limitadas pela própria dinâmica que a sociedade capitalista possui de gerar cada vez mais riqueza de um lado, e cada vez mais pobreza e miséria de outro. Mas talvez a contribuição mais importante de Engels esteja na relação que ele estabelece entre a questão da moradia (na qual o déficit habitacional está incluso) e a questão social, isto é, a questão daqueles que produzem a riqueza da sociedade poderem desfrutar dessa riqueza. Conforme Engels, "não é a solução da questão da moradia que leva simultaneamente à solução da questão social, mas é pela solução da questão social, isto é, pela abolição do modo de produção capitalista que se viabiliza concomitantemente a solução da questão da moradia" (grifos nossos, [9]). Rennan Valeriano Graduando em Ciências Sociais (FFLCH-USP) e bolsista do Projeto CineGRI Ciclo 2019/2020. NOTAS: [1] Leva (Juliana Vicente e Luiza Marques, Brasil, 2012, 55 min) [2] https://www.abrainc.org.br/noticias/2019/01/07/deficit-habitacional-e-recorde-no-pais/ <>. [3] https://www.nexojornal.com.br/ensaio/debate/2020/A-pandemia-da-desigualdade-de-olho-num-outro-futuro. <> [4] http://www.labcidade.fau.usp.br/a-crise-de-moradia-no-reino-unido-so-piora/. <>. [5] https://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft1309200521.htm. <>. [6] ENGELS, Friedrich. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. São Paulo, Boitempo, 2008. [7] ENGELS, Friedrich. Sobre a questão da moradia. São Paulo, Boitempo, 2015. [8] ENGELS, Friedrich. Sobre a questão da moradia. São Paulo, Boitempo, 2015, p. 71 [9] ENGELS, Friedrich. Sobre a questão da moradia. São Paulo, Boitempo, 2015, p. 80 #DéficitHabitacional #Marxismo #QuestãoSocial

  • Construir a Leva: Ocupar enquanto dever

    Fonte: Ponte Jornalismo #ParaCegoVer [FOTOGRAFIA]: No centro da imagem, há uma criança em movimento à frente de uma faixa branca segurada por uma mulher com os dizeres “Não ao despejo da Mauá. Justiça Já!”. Ao fundo, barracas pretas completam o cenário. A drástica situação habitacional do Brasil é um fenômeno facilmente perceptível por qualquer olhar mais atento que observa as periferias e os grandes centros urbanos brasileiros. Desde o século XIX, com o curso do par industrialização/urbanização, a questão tem sido um reflexo - e um agravador - das desigualdades sociais, raciais e espaciais do país, se materializando, principalmente, na convivência nada harmoniosa entre os assentos habitacionais precários e as construções luxuosas das regiões abastadas. A importância do tema pode ser vislumbrada pela estatística: apenas na cidade de São Paulo, segundo dados da FGV e da ABRAINC (2018) [1], o déficit habitacional chega a 1,8 milhão de domicílios, sendo que, no centro da capital, há mais edifícios abandonados do que famílias sem-teto. Essa realidade não é exclusiva do Brasil, como nos mostra o documentário Push (2019), dirigido pelo cineasta sueco Fredrik Gertten. O problema é comum em todo o globo, incluindo naqueles países denominados ‘desenvolvidos’ - abstraindo-se aqui toda a problemática do termo - como EUA, Reino Unido, Espanha, Alemanha, Japão, Suécia e França. Apresentado por Leilane Farha, uma relatora canadense de direito à moradia da ONU, Push denuncia a prática de táticas rentistas de multinacionais bilionárias para a extorsão de dinheiro de propriedades. O trabalho de Gertten mostra que aliadas à lavagem de dinheiro e relações corruptas com governos nacionais, essas táticas destróem comunidades locais tradicionais a partir de execuções hipotecárias responsáveis pela compra de propriedades baratas que, posteriormente, são vendidas por preços muito mais caros. É nesse sentido que espaços reservados para a moradia são transformados em ações de investimento. Como consequência, casas, loteamentos e apartamentos luxuosos no seio das áreas de maior valor social das cidades permanecem desocupados, enquanto o número de desabrigados aumenta. De caráter ainda mais perverso, no caso brasileiro, o próprio Estado tem contribuído e alimentado a manutenção e ampliação desse nefasto abismo social. Enquanto o poder público municipal ignora reiteradamente as noções estabelecidas pelo Plano Diretor e pelo Estatuto da Cidade, como no caso de São Paulo, a violência policial é utilizada como instrumento repressor de destruição da articulação popular e democrática das ocupações Ao mesmo tempo, o judiciário zela pela perpetuação da desigualdade ao se posicionar, via de regra, pelo despejo e pela invasão, autorizando o uso da força do Estado e vulnerabilizando, ainda mais, o ocupante. É exatamente nesse contexto que emerge Leva (2011), documentário dirigido pela dupla Juliana Vicente e Luiza Marques. Ao tecer uma rede de histórias múltiplas e comoventes sobre trajetórias que explanam a realidade urbana paulistana e brasileira, a obra descortina uma das maiores ocupações urbanas da América Latina e torna visível ao grande público uma poderosa e interessante rede coletiva de luta por dignidade e sobrevivência. O documentário, nessa esteira, se debruça sobre os processos decisórios que baseiam a articulação dos três grupos envolvidos na ocupação - FLM, MSTC e MMRC, os quais se manifestam como uma representação genuína da democracia verdadeiramente popular. Indo além, Vicente e Marques voltam um olhar delicado para demonstrar o senso de coletividade que emerge das paredes do Edifício Mauá. Os múltiplos relatos evidenciam a capacidade de transformação dos envolvidos não apenas enquanto coletivo ou leva, mas, também, na sua própria individualidade. A emancipação feminina (e feminista), a justiça social e a revolta perante a desigualdade socioespacial são temas que aparecem, em um primeiro momento, refletidos na conscientização individual para, em um segundo momento, fundamentar uma construção coletiva do movimento. Leva demonstra como o fazer político é capaz de conscientizar os envolvidos. A partir das imagens e dos relatos, percebe-se que a práxis cotidiano evoca aquilo que objetiva o movimento: uma organização social verdadeiramente igualitária, justa, popular e democrática para a (re)construção daquilo que se entende como direito à cidade. Ademais, Leva também tem uma função didática. A partir de uma linguagem simples, os tocantes e humanizados relatos ajudam a quebrar estereótipos preconceituosos sobre as ocupações impregnados no imaginário popular, estabelecendo um discurso muito coeso de defesa ao direito (ou dever) de se ocupar os espaços sem função social. Mais do que isso, Leva avança no debate, entendendo a luta das ocupações não apenas como um movimento de moradia, mas um movimento político de conscientização e transformação do espaço urbano e, consequentemente, de transformação de vidas. Moradia não se resume à propriedade física. O direito à moradia digna deve incluir o acesso aos serviços de segurança, saúde, transporte, lazer, cultura e educação, a convivência comunitária e a vida familiar. Moradia é apenas o primeiro passo, uma base fundamental para a dignidade, para todos os outros direitos. Leva é o sonho por uma outra cidade: justa, democrática e igualitária. Sonho este que não é apenas paulistano, brasileiro ou latino-americano. A ocupação do Edifício Mauá, assim como vários outras ao redor do mundo, é um exemplo a ser replicado e defendido por todos aqueles que defendem uma cidade mais humana e menos desigual. Em tempos tão caóticos como o que vivemos durante a pandemia do COVID-19, torna-se ainda mais urgente a defesa intransigente do direito à moradia digna e da democratização do espaço urbano. Não se pode, em nenhuma hipótese, esquecer-se do fundamental: Enquanto morar for um privilégio, ocupar não é apenas direito, é dever. Matheus Miranda Monteiro Graduando em Relações Internacionais (IRI-USP) e bolsista do Projeto CineGRI ciclo 2019-2020. Referências: [1] Relatório completo disponível em: Breda, Tadeu. Por dentro do quotidiano dos sem-teto. Outras Palavras. 2012. Monteiro, A. Veras, Antonio. A questão habitacional no Brasil. Mercator, vol.16. Fortaleza, 2017. Nascimento, D. Braga, R. Déficit habitacional: um problema a ser resolvido ou uma lição a ser aprendida?. Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo. EESC-USP. 2009. #movimentosocial #ocupaçõesurbanas #desigualdade #direitoacidade #moradia

  • Bruce Lee vs. Romênia: a luta por sobrevivência abaixo das ruas de Bucareste

    Fonte: Cineuropa.org #PraCegoVer [FOTOGRAFIA]: A imagem mostra um túnel com o homem conhecido como Bruce Lee encostado ao fundo, olhando para a câmera. O túnel é cercado por objetos domésticos, como colchões, micro-ondas, rádios, ventiladores, todos de forma desordenada. Há apenas uma lâmpada ao fundo, logo atrás de Bruce Lee, que ilumina o túnel. O que há de comum entre o ator Bruce Lee e a existência de crianças que vivem nos túneis subterrâneos de Bucareste? Absolutamente nada, além do nome que o conhecido ator asiático compartilha com o líder dessas crianças. O tema parece confuso, não? E é assim que o espectador se sente no início do filme Bruce Lee e o Fora-da-Lei (Bruce Lee and The Outlaw, 2018) do diretor e fotógrafo holandês Joost Vandebrug. Um excruciante documentário que revela a realidade de crianças em situação de rua em Bucareste, capital da Romênia, através de uma narrativa não-linear que confunde os desavisados, mas que faz sentido na construção do quebra-cabeça que o filme se propõe a ser na mesma medida que trata sobre a questão habitacional na Romênia – uma das mais problemáticas da Europa. Bruce Lee, famosa personalidade das ruas de Bucareste, é remanescente de orfanatos do final da década de 1980 – após o fim do regime comunista no país, os orfanatos foram desapropriados, deixando milhares de crianças sem lar – e acolheu algumas crianças na mesma situação, indo morar nos túneis subterrâneos com canos aquecidos, construídos para a calefação de moradias. Sujeitos do filme e não meros objetos de observação do diretor, essas crianças são conhecidas como “The Lost Boys” (Os Garotos Perdidos) e foram acompanhados por Vandebrug durante sete anos, gerando o documentário. Em paralelo à questão habitacional, o filme também explora a relação de paternidade construída entre Bruce Lee e o garoto Nicu (cujo apelido é o “Fora-da-Lei” adotado no título). Apesar de pouco desenvolver o historicismo que levou a essa situação, o filme faz um retrato fiel e cru da realidade dos túneis. Nicu, que ao final do filme tem dezessete anos, ainda tinha a aparência de um garoto de dez, revelando as precárias condições ao qual viveu com o passar dos anos. Contudo, as crianças não são os únicos presentes nesse espaço subterrâneo, como revela o próprio Bruce Lee: só nos túneis comandados por ele há pelo menos setenta pessoas sem moradias fixas. A precária vivência subterrânea evidencia graves problemas sociais da Romênia e questiona-se: país membro da União Europeia desde 2007 e com crescente Índice de Desenvolvimento Humano, que problemática justifica o massivo déficit habitacional do qual Nicu também é proveniente? Quando fazia parte da ex-União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, a Romênia sob o regime comunista nacionalizou moradias e as direcionou para o uso dos trabalhadores estatais. Contudo, como eles se mudavam constantemente devido à demanda de trabalho, pessoas mais pobres – principalmente ciganos – se mudaram legalmente para os prédios no centro da cidade. Os ciganos (vulgo roma/romani), como o maior grupo de minoria étnica no país, têm grandes dificuldades de encontrar empregos, por estigma social e quando encontram, são de baixa renda. O fim do regime em 1989 trouxe consigo a problemática da restituição de posse dessas moradias aos donos originais, já que agora não pertenceriam mais ao Estado e teriam valor comercial no mercado. Diferente de outros países do leste europeu que lidaram com a mesma questão, o governo romeno não ofereceu indenizações, apenas o direito de reintegração das moradias, causando o despejo dessas inúmeras famílias que ali moravam. De acordo com Zamfirescu (2015), o governo tem cinco anos para realocar essas famílias, no entanto, a fila de espera para habitações sociais passam de 10 anos, o que impossibilita o acolhimento nesses lugares. Ademais, o mercado residencial na Romênia tem os valores mais altos da Europa e após a crise de 2008, a situação piorou. A agenda neoliberal também causou inúmeros despejos provenientes de reformas do governo na cidade – número elevado com a entrada do país na União Europeia em 2007, pois os fundos do bloco econômico incentivou o boom de reformas arquitetônicas na cidade para responder a um padrão de capital europeia. Isso diz respeito a uma estratégia e projeto de longa-duração de higienização da cidade disfarçado como uma proposta de desenvolvimento urbano. Depois da crise imobiliária de 2008, o porcentual de romenos que sofrem com privação residencial é de 28,6%, comparado com uma taxa de 6% de todo o restante da Europa, denotando a discrepância entre a quantidade de pessoas que não tem moradia no país e o restante do continente [1]. E o que acontece com essa população durante a pandemia de covid-19, que teve seu primeiro caso no país em fevereiro de 2020? O governo aprovou multas às pessoas que não respeitassem o lockdown levando até à prisão, dependendo da gravidade do caso. Contudo, isso não pode se aplicar a população em situação de rua. Para eles, foram montados abrigos provisórios, contudo a distribuição de máscaras, artigos de higiene e alimentos ainda ficou atribuído às ONGs que já os assistiam, com baixo apoio governamental. Alina Constantin, moradora dos túneis, denunciou em entrevista ao jornal France 24 [2] o abandono por parte do governo, que os invisibiliza diante das necessidades da sociedade civil. Além disso, como mostrado no documentário, eles sofrem represálias pela população, que preconceituosamente os veem como ameaça, o que se intensificou com o vírus – como potenciais transmissores, há relatos de expulsões sofridas de dentro dos transportes públicos. Bruce Lee revela o seu sonho de comprar um hotel abandonado para que todas as pessoas dos túneis possam ter melhores condições de vida. Nicu, graças a Raluca – assistente social de uma ONG – é levado a um antigo abrigo de animais, moradia adaptada para algumas crianças, depois que sai do hospital, onde passou três meses desenganado de uma pneumonia, agravada pelo garoto ser soropositivo sem tratamento. Afinal, sobra a dúvida: quando o governo romeno – que reflete o de outros lugares – enxergará “Os Garotos Perdidos” como cidadãos-sujeitos fora do estigma social das baixas condições de sobrevivência da rua e os concederá direito à dignidade? Larissa Karoline Oliveira Graduanda em História (FFLCH-USP) e bolsista do Projeto CineGRI Ciclo 2019-2020. #documentário #bucareste #bruceleeandtheoutlaw #direitoàmoradia #despejo Referências Bibliográficas [1] VRABIESCU, Ioana. Evictions and voluntary returns in Barcelona and Bucharest: practices of metropolitan governance. Intersections. EEJSP 2(1): 199-218. [2] Corona virus crisis hits Romania’s invisible homeless. Revista France 24. Disponível em: . Acesso em: 01. Jul. 2020. SHORT, John Rennie. The Unequal City: Urban Resurgence, Displacement and the Making of Inequality in Global Cities. Londres: Routledge, 2017. LANCIONE, Michele. Revitalising the uncanny: challenging inertia in the struggle against forced evictions. Environment and Planning D: Society and Space 0(0), 2017, pp. 1-21. DOI: 10.1177/0263775817701731. ZAMFIRESCU, Irina Maria. Housing eviction, displacement and the missing social housing of Bucharest. Calitatea Vietii, XXVI, nr. 2, 2015, p. 140–154. Bruce Lee and the Outlaw. Disponível em: . Acesso em 26 abr. 2020. The Lost Boy Found - WayBack Machine - Internet Archive. https://web.archive.org/web/20150509172555/http://joostvandebrug.com/index.php/project/essay/ Acesso em 26 abr. 2020. Joost Vandebrug: ‘Bruce Lee and The Outlaw’ was my life - an interview with the director. Disponível em: . Acesso em 25 abr. 2020.

  • Quem são os verdadeiros parasitas? Ou a situação da classe trabalhadora no século XXI

    Fontes: Estado de Minas e Portal T5, respectivamente. #PraCegoVer [FOTOGRAFIA]: Duas imagens separadas por uma linha branca. Na primeira temos família Kim, filho, pai, mulher e irmã. Atrás deles, pilhas de caixas de pizzas verde e amarelas. Os quatros estão olhando para o celular no chão, assistindo a um vídeo onde se ensina a dobrar caixas de pizza de maneira mais ágil. Já na segunda, temos uma rua alagada até os joelhos com água misturada com barro e esgoto. Ao centro, um entregador informal de aplicativo de entrega de comida vestido com conjunto de roupa de chuva para motociclistas. Na mão direita, está segurando uma espécie de cajado e nas costas está com uma mochila vermelha de entregador escrita “iFood”. Apesar das correntes ou senzalas terem deixado de figurar o padrão normal das relações humanas há alguns bons anos, hoje são inúmeros os relatos de pessoas em condições de trabalho que remetem a uma escravidão contemporânea. O filme Parasita (2019), do diretor Bong Joon Ho, recente vencedor do Oscar-2020 na categoria de melhor filme, pode nos ajudar a compreender melhor o porquê desse fenômeno. Logo no começo do filme, nos deparamos com a seguinte cena: a família Kim busca um sinal de WiFi de graça para acessar à Internet e receber o sinal positivo da pizzaria contratante dos seus serviços de “dobradores de caixas de pizzas”. Seus salários variam em função da quantidade e da qualidade de caixas que entregam e estão sujeitos a cortes salariais arbitrários caso não correspondam ao esperado pela pizzaria. Como precisam alimentar-se, vestir-se, beberem e se abrigarem, os Kim sujeitam-se ao precário serviço que lhes é oferecido, sob as condições precárias que lhes são postas, sem deixar, jamais, de agradecer ao “WiFi generoso” pelo pão de cada dia. Ao longo do filme, conhecemos mais da situação da família Kim. Eles moram num semi-porão sem condições mínimas de higiene. Quando, já na condição de servos “mais privilegiados”, ou seja, explorados sob condições mais humanas e dignas por essas “pessoas legais”, deparam-se com uma situação na qual, durante uma chuva, tem de voltar para casa correndo. É nesse momento que vemos o quão longe moram da família Park, o quão abaixo está a sua casa, e como um fenômeno da natureza pode ter um efeito diferente de acordo com a sua riqueza material – que o resultado de uma chuva não é apenas “céu azul e sem poluição”, mas, para uma parcela significativa da população no mundo todo, para os milhões de famílias Kim que há por aí, alagamento, destruição e centenas de milhares de desabrigados. No Brasil, podemos ver as nossas famílias Kim atuando para redes de aplicativos que oferecem serviços, como o Rappi, iFood e Uber Eats. Estes ficam cada vez mais ricos às custas da crescente miséria daqueles que, em bicicletas, motos e dentro de carros, trabalham muitas vezes além das 44h/semanais previstas, sob condições de trabalho muitas vezes inóspitas e perigosas, sem garantia de renda mínima semanal ou mensal, sem garantia de direitos trabalhistas, segurança previdenciária, seguro, alimentação e transporte, ou qualquer outro tipo de direito que a classe trabalhadora tenha conquistado nessas últimas décadas. As jornadas exaustivas, a sujeição a condições degradantes de trabalho e a restrição de locomoção dos trabalhadores, ainda que motivada por coerção econômica, configuram, dentro do art. 149 do Código Penal Brasileiro, como elementos que configuram o trabalho escravo. Traça-se, entretanto, de uma escravidão, ou melhor, para usar o termo do sociólogo do trabalho Ricardo Antunes, uma “servidão moderna”. Assim, se os Kim precisavam de WiFi para ter acesso à alguma fonte de rendimento, também muitas das nossas famílias Kim no Brasil (os Silva, os Souza, os Santos etc.), precisam de redes móveis de internet para trabalharem nas seguintes condições [3]: “Os entregadores, no entanto, não moram nesses bairros [Pinheiros, Paulista, Higienópolis]. Vivem principalmente na periferia ou em cidades da Grande São Paulo. Para chegar ao trabalho, percorrem até 30 km - às vezes, pedalando [...] Por isso, os ciclistas ouvidos pela reportagem relataram fazer jornadas de mais de 12 horas diárias, trabalhar muitas vezes sem folgas e até dormir na rua para emendar um horário de pico no outro, sem voltar para casa.” [Grifos nossos] Sob as seguintes condições de trabalho: “(...) ele [o entrevistado] percorre por volta de 80 km diários (...) Como a maioria, ele não usa - e as empresas não fornecem - equipamentos de segurança, como capacetes. Gabriel Di Pieri, 18, conta não ter visto muito a família nos últimos meses. "Chego em casa, tomo um banho e durmo. Não vejo ninguém".” Quando lembramos que é a arte que imita a vida e não ao contrário, notamos que as coisas não podem ser vistas na sua aparência; ao contrário, deve-se buscar desvelá-las a fim de vê-las na sua essência. Quando fazemos essa operação, logo percebemos que a situação da família Kim revela-se como a situação geral de uma fração da classe trabalhadora mundial, fração está cada vez mais pauperizada e precarizada, ou seja, uma fração cada vez mais empobrecida, em péssimas condições de vida e trabalho, trabalhando na informalidade sem proteção social e nenhuma garantia de futuro e dependendo de aplicativos que dirão quem e o que irão transportar, mas jamais trabalhar nem para o aplicativo, nem para a empresa na qual transporta a mercadoria, nem para a pessoa que pediu a mercadoria, e muitas vezes nem para a empresa na qual aluga o seu meio de locomoção durante o transporte. A situação de trabalho da família Kim, bem evidenciada no começo do filme, mas não só, é uma situação universal. Vemos, também, quem é o verdadeiro parasita – ou melhor, os verdadeiros – não só da família Kim, mas de todas as famílias daqueles que não dispõem senão da sua força de trabalho para viver: a família Park, que representa a classe capitalista – esta que, por sua vez, personifica o capital. Se Marx havia dito que “O capital é trabalho morto [máquinas e, mais recentemente, aplicativos] que como um vampiro se reanima sugando o trabalho vivo [força de trabalho] e quanto mais o suga mais forte se torna” [4], podemos dizer, numa linguagem que agradaria ao diretor Bong Joon Ho, que “o capitalista, personificação do capital, é um parasita que só reproduz seus lucros quanto mais suga da riqueza produzida pelo seu hospedeiro, deixando-o cada vez mais miserável”. Rennan Valeriano Graduando em Ciências Sociais (FFLCH-USP) e bolsista do Projeto CineGRI Ciclo 2019-2020. Referência bibliográfica: [1] MARX, Karl. O Capital. Crítica da economia política - Livro 1: o processo de produção do capital. 5aEd, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980. págs. 262-263. [2] Disponível em: https://jus.com.br/artigos/65768/trabalho-em-condicoes-analogas-a-de-escravo- contemporaneo. Acesso em: 31/03/2020, 19h15. [3] Disponível em: https://epocanegocios.globo.com/Empresa/noticia/2019/05/dormir-na-rua-pedalar-30-km- e-trabalhar-12-horas-por-dia-rotina-dos-entregadores-de-aplicativos.html. Acesso em: 31/03/2020, 19h15. [4] Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/01/23/economia/1548260634_440077.html. Acesso em: 31/03/2020, 19h15. #Parasita #Capitalismo #Uberização #MundoDoTrabalho #Oscar2020

  • Habitar é um direito, viver depende disso

    Fonte: El País #PraCegoVer [FOTOGRAFIA]: A imagem mostra uma rua de frente para uma passarela com um arco grande, nessa rua há uma van ao fundo e dois homens andando na frente da imagem. Na rua que passa sob a passarela, ao fundo da imagem passa um ônibus e há cerca de oito pessoas espalhadas em diferentes partes da rua ao fundo da imagem. Atrás da passarela é possível ver um morro coberto por vegetação do lado esquerdo e um edifício alto do lado direito. A poesia urbana que narra o longa-metragem argentino Medianeras: Buenos Aires na era do amor Virtual (TARETTO, 2011) comenta sobre a falta de critérios estéticos em Buenos Aires quando o assunto é a construção de novos edifícios na cidade. Nas grandes metrópoles brasileiras a situação não é diferente, no Rio de Janeiro, por exemplo, acontece algo parecido. Na capital fluminense, diversos edifícios violaram o ‘skyline’(linha do horizonte) e ultrapassaram a altura permitida por lei, sobrepondo-se à natureza da cidade, ocultando do campo de visão das pessoas as belas paisagens que definem a cidade como maravilhosa. No entanto, pouco ou nada se fala sobre esses prédios quando o assunto é reforma urbana. Na verdade o que sempre esteve em mira do poder público foram as favelas, a pobreza sempre foi um grande empecilho estético para a cidade. Contudo, o que não é considerado quando se fala dessas políticas urbanas, é que as favelas expressam na verdade o problema urgente do déficit habitacional das grandes cidades. No Rio de Janeiro, a favelização teve início após as inúmeras tentativas de destruição dos cortiços onde habitavam 25% da população do então Distrito Federal, no fim do século XIX. Na gestão de Barata Ribeiro (1892-1893), os argumentos eram de os cortiços representavam a síntese do crime e da falta de higiene. Já em fins da década de 1920, não longe desse discurso, Alfred Agache, arquiteto contratado para fazer a reestruturação urbana da cidade, fez referência às favelas como sendo povoadas por uma população variável e avessa à higiene. Ou seja, apesar de as favelas e habitações coletivas representarem a problemática da falta de habitação adequada para a população pobre, elas nunca foram vistas como de fato um problema em si, mas sim uma ameaça ao restante da população. Encarando o problema dessa forma, não é de se surpreender que as favelas aumentassem na capital: em 1960, os habitantes das áreas favelizadas representavam 11% do total de habitantes da cidade, hoje esse valor aumentou para 22% do total. Apesar de parecer um tema distante, do “século passado”, os projetos de remoção ainda ocorrem na cidade maravilhosa. As pessoas são expulsas dos locais que vivem há anos, como se não fossem pertencentes ao território que habitam ou sujeitos de si mesmas. O curta documentário Casas Marcadas (MOREIRA et al., 2012) mostra as desapropriações feitas no Morro da Providência durante as transformações que ocorreram na cidade para a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. Assim como as remoções que sobrevieram durante a ditadura militar, as aplicadas durante a gestão de Eduardo Paes (2008-2016), devido a inúmeras violações de direitos, indenizações de danos e caráter injusto, foram também caracterizadas como “remoções forçadas”. O “legado” dos Jogos para a população favelada foi basicamente esse, mais de 20 mil famílias removidas de suas casas entre os anos de 2009 e 2013, além das que não foram contabilizadas. Fora a questão das remoções, há ainda uma outra medida sistemática do poder público que cerceia o direito à habitação da população pobre: as ações policiais. No documentário Boca do Mato (MÍDIA 1508, 2017) é retratado um cenário constante das favelas cariocas: a indignação de moradores diante do assassinato de pessoas inocentes por parte dessas ações, nesse caso, uma criança de 10 anos. Apesar de a ONU declarar que moradia é um dos direitos humanos e deve ser entendida como um local que, dentre outras condições mínimas à sobrevivência, seja seguro, não há o menor nível de segurança dentro das favelas. Como afirmado em um artigo do grupo Movimentos, “A guerra às drogas afeta diretamente o cotidiano das favelas e das periferias.” (SANTIAGO et al., 2018). O que ocorre na verdade é uma criminalização da pobreza, em outras palavras, como é afirmado ao fim do documentário, "Não existe guerra às drogas. O que existe é guerra aos pobres." (2017). Hoje em dia, assim como ocorria nos antigos cortiços, “O pobre aparece não como aquele que deve ser protegido, mas como aquele de quem se deve ser protegido.” (BAHIA, 2012). Se por um lado o que sempre esteve como base dos argumentos contra os cortiços e favelas era a questão higiênica e da criminalidade, por outro nunca foi investido de fato em saneamento básico e segurança para os moradores. No atual cenário de pandemia, movimentos sociais das favelas cobraram do governador Wilson Witzel que as remoções, despejos e operações policiais fossem suspendidos. Entretanto, apesar de inclusive ter sido proibida a realização de operações policiais em comunidades do Rio durante o período, as ações continuam ocorrendo em inúmeras favelas da cidade. Ou seja, nem mesmo em cenário de completo caos, é permitido à população periférica os direitos de viver e habitar. Victoria Freitas Graduanda em Letras, Português/Espanhol (FFLCH-USP) e bolsista do Projeto CineGRI Ciclo 2019/2020. REFERÊNCIAS: AROUCA, Luna; TELLES, Ana Clara; SANTIAGO, Raull. Do #vidasnasfavelasimportam ao #nóspornós: a juventude periférica no centro do debate sobre política de drogas. Boletim de Análise Político-Institucional. Rio de Janeiro, IPEA, n. 18, dezembro de 2018. Acesso em: 03 de julho de 2020. BAHIA, R. QUANDO A POBREZA TOMA CORPO: ANÁLISE SOCIOLÓGICA DE O CORTIÇO, DE ALUÍZIO AZEVEDO. BALEIA NA REDE (Cessada), v. 1, n. 9, 2012. BARREIRA, Gabriel. Ministro do STF proíbe operações em favelas do Rio durante a pandemia. G1 Rio, 2020. Disponível em: . Acesso em: 03 jul. 2020. DAFLON, Rogério. Os prédios que violaram o skyline do Rio. Agência Pública, 2017. Disponível em: . Acesso em: 02 de julho de 2020. FENIZOLA, Luisa. Soluções que Vêm das Favelas: Como Moradores Estão Agindo e Cobrando Diante da Pandemia. Rioonwatch, 2020. Disponível em: . Acesso em 03 de julho em 2020. MERELES, Carla. DIREITO À MORADIA: TODOS TÊM DIREITO A UM LAR.Politize, 2017. Disponível em: . Acesso em: 02 de maio de 2020. PETTI, Daniela. Remoções de favelas no Rio de Janeiro. Wiki Favelas, 2020. Disponível em: . Acesso em: 03 de Junho de 2020. Poesia urbana (filme "Medianeras"). Youtube, 2013. Disponível em: . Acesso em: 23 de abril de 2020. ROD, Juan Luis. Favela da Rocinha: além do tráfico. El País, 2019. Disponível em: . Acesso em: 24 de abril de 2020. RODRIGUES, A. E. M.; OAKIM, J. As reformas urbanas na cidade do rio de janeiro: uma história de contrastes. Acervo - Revista do Arquivo Nacional, v. 28, n. 1, p. 19-53, 2015. Disponível em: . Acesso em: 03 julho de 2020. #vidasnasfavelasimportam #remoções #favelas #coronavírus #RioDeJaneiro #fluminense #carioca

  • A exploração da miséria pelo marketing social

    A analogia entre o regime escravagista e o marketing social pela classe dominante no Filme “Quanto Vale ou é Por Quilo?”, de Sérgio Bianchi Fonte: G1 #PraCegoVer [FOTOGRAFIA]: No centro da imagem há uma mulher rodeada por crianças pobres. Ela está dando as mãos para duas delas e o fundo é composto por casas de periferia. “Quanto Vale ou é Por Quilo?” (Sérgio Bianchi, 2005), que possui caráter jornalístico, faz uso de documentos e fatos históricos para compor uma narrativa em que costura o Brasil colonial com o contemporâneo, denunciando os impactos que a escravidão gerou em nosso país e como se manifestam na atuação de entidades do Terceiro Setor. O recorte principal é o princípio de exploração da miséria humana presente no marketing social das ONGs que constroem uma imagem de “salvadoras das classes mais desfavorecidas” através da exposição de suas condições, que em muitos casos possuem esquemas de lavagem de dinheiro, caixa dois, projetos falidos, uso de laranjas e outras formas de corrupção. Bianchi faz um paralelo entre diversas práticas, como por exemplo a “troca de favores”. No filme, usa o registro de uma escrava (Odelair Rodrigues) que conseguiu comprar a própria alforria por meio de um acordo feito com uma mulher branca (Ana Lúcia Torre) que ele descreve (até com certo tom de ironia) como a sua amiga. A escrava trabalhava por anos e nunca conseguia juntar o dinheiro para pagar a sua alforria ao seu dono Senhor Caetano Pereira Cardoso. Então ela fez um acordo com esta sua amiga, que a compraria dele e em troca ela trabalharia durante um ano para devolver o valor com juros. No entanto, a escrava só conseguiu juntar o dinheiro em três anos e pagando juros muito maiores. E assim conseguiu comprar a sua tão desejada alforria. O diretor traz essa situação para um contexto atual exemplificando com “personagens” que se tratam de duas amigas. Uma era dona (Ana Lúcia Torre) de uma ONG e a outra voluntária (Cláudia Mello). A voluntária precisava de dinheiro para pagar a festa de casamento do filho e a dona emprestou. Quando surgiu a necessidade de transferir alguém para fazer trabalhos em lugares mais longes, ela mandou a amiga argumentando que “fazia tanto por ela”. A amiga acabou mandando uma outra moça mais jovem, que era negra e estava precisando. O filme também aborda as contradições presentes em situações do próprio sistema atual. Donos de ONGs beneficentes explorando funcionárias idosas e as fazendo de laranja dentro da própria empresa, aproveitando-se de sua situação de vulnerabilidade; computadores superfaturados enviados para escolas públicas através de doações; entre outras situações, que desmascaram a exploração disfarçada de solidariedade da classe dominante. Bianchi faz outras analogias entre a escravidão e as relações contemporâneas como a do capitão do mato no regime escravagista, que capturava outros negros que eram escravos fugitivos em busca de prestígio social e condições de vida melhores com a relação “negro contra negro” de hoje, usando como o exemplo o matador de aluguel do filme. Desta forma, por meio de analogias e relações com documentos históricos, Bianchi constrói um argumento apontando que a escravidão ainda prevalece nos dias de hoje, mas em diferentes moldes e escalas. Trabalhadores continuam a ser explorados, membros de uma mesma classe ainda são jogados uns contra os outros, corpos são reduzidos à máquinas e a miséria ainda é usada para gerar lucro. O filme traça um importante panorama sobre as consequências da escravidão e como este sistema repercutiu na vida e realidade das pessoas negras até os dias de hoje, que ainda são parte da população mais explorada no Brasil. Nathalia Barreto Graduanda em Letras (FFLCH-USP) e bolsista do Projeto CineGRI Ciclo 2019-2020. #escravidao #escravidaomoderna #exploracaodecorpos #marketingsocial #exploracao

  • Ecos de um passado não resolvido

    Fonte: Flickr.com #PraCegoVer [FOTOGRAFIA]: A imagem apresenta uma menina sentada em uma cama, com o rosto inclinado para cima. Ela possui batom vermelho nos lábios e uma expressão séria na face. Sua blusa azul está desatada, deixando duas alças recaídas a frente de seu corpo. Os dedos das mãos, virados para cima, estão sujos de sangue. Ela também veste uma mini saia rosa desbotada. Desde a antiguidade, diferentes povos ao redor do globo praticavam a escravidão. Prisioneiros de guerra e pessoas endividadas foram os principais alvos desse sistema em civilizações como a romana, onde o trabalho compulsório não possuía restrições étnicas, diferindo da prática posteriormente adotada pelo sistema colonial. Neste, a lógica mercantilista que visava o acúmulo de capital pelos estados nacionais usou a questão racial como justificativa para a escravidão africana e teve como pano de fundo o rentável tráfico de nativos do continente pelo Atlântico. Entretanto, mesmo que em 1948 a Organização das Nações Unidas tenha proclamado no artigo IV da Declaração Universal dos Direitos Humanos a proibição mundial de qualquer tipo de trabalho análogo à escravidão, mais uma vez o escravismo adquiriu novos moldes e foi implantado por diversos setores das economias do século XX. Mas o alvo continuou sendo o mesmo, as populações em vulnerabilidade social. Sendo assim, no Haiti é muito comum ouvir falar das Restavek, crianças que são enviadas por seus pais para trabalhar em outros países em busca de melhores condições de vida. Em determinadas regiões do Brasil existem aplicações muito comuns a essa, como por exemplo os casos onde algum familiar ‘pega uma sobrinha para criar’ mas essa criança não passa a possuir as mesmas condições de vida que possuem os outros filhos do mesmo, sendo muitas vezes transformada em escrava doméstica. Fato parecido é retratado no filme Anjos do sol, 2006, dirigido por Rudi Lagemann, que conta a história da menina Maria (Fernanda Carvalho), de apenas 12 anos de idade, que é vendida pela família para um caixeiro viajante, pois assim poderia buscar uma vida com maiores oportunidades. Segundo o pensamento da mãe da protagonista, o homem poderia lhe arrumar um emprego em uma casa, o que talvez possibilitaria um encontro com uma de suas irmãs que teve o mesmo destino. Mas ela não encontra a irmã, afinal, foi levada para ser explorada sexualmente por uma rede de sucessivos criminosos. Uma das cenas mais chocantes do filme remete a um leilão onde garotas menores de idade são ofertadas como produtos para homens mais velhos e poderosos. A partir daqui, uma série de atrocidades passam a envolvem a vida de Maria, que é comprada por um fazendeiro para tirar a virgindade do filho, violentada por ele e mandada para um bordel em Socorro onde, como é típico da escravidão contemporânea, ela acumula dívidas pelo seu quarto, roupas e comida, consequentemente não recebendo pagamento. Logo, muitas das crianças e adolescentes exploradas no mundo, além de serem vendidas ou abandonadas pelos pais e o estado, também podem ter sido obrigadas a largar a escola para trabalhar. É o que retrata o filme Sueco-dinamarquês de 2002 dirigido por Lukas Moodysson Lilya 4ever, que faz duras críticas tanto ao capitalismo e seu incentivo ao consumismo em massa quanto ao decadente socialismo russo, ambos internamente ligados ao tráfico humano. Dessa maneira, temos Lilya (Oksana Akinshina), uma adolescente de 16 anos que mora em uma região bastante afetada pela pobreza na Rússia. Ela e a mãe sonham com dias melhores nos Estados Unidos após a promessa que seu padrasto faz de levá-las para lá. Contudo, ele muda de ideia e pede que apenas a mãe vá. Assim, a jovem é deixada com uma tia e pouco dinheiro. Quando se viu sem comida e nem luz ela resolveu entrar para o mundo da prostituição. Em um dos programas foi agredida e socorrida por um rapaz que a viu caminhando na rua. Depois de um tempo, os dois passam a ter uma relação mais íntima e ele a convida para trabalhar na Suécia. Ela aceita e assim que chega no país tem seu passaporte retido por um homem que a tranca em um apartamento, saindo apenas quando é obrigada a se prostituir, gerando ganhos ao cafetão. Ambos os filmes denunciam a indústria de exploração sexual, que semelhante a outras formas de escravidão tem como alvo as partes de uma nação a margem dos planos políticos, que vem a ser obrigadas a se contentar com subempregos desumanos e o não exercício do seu direito de cidadão. São frutos de Lei Áureas mal resolvidas ou nem ao menos criadas pelo mundo afora, de estratégias das iniciativas privadas ligadas a presidentes que tentam apagar da lei o desconforto do verossímil e inviável economicamente. Kelly Barbosa Graduanda em Letras (FFLCH-USP) e bolsista do Projeto CineGRI Ciclo 2019-2020. #EscravidãoContemporânea #IndústriaDeExploraçãoSexual #TráficoHumano #Escravismo #ViolaçãoDosDireitosHumanos

  • Feito escravo e mantido assim

    Fonte: Pinterest Brasil #PraCegoVer [FOTOGRAFIA]: No canto inferior esquerdo da imagem se encontra um banquete, vários pães e bolos sobre uma mesa coberta por uma toalha branca. No centro da imagem uma fila de crianças negras de ambos os gêneros, com as mãos e os pescoços presas por cordas e acorrentadas umas às outras, vestidas com roupas esfarrapadas do século XXVII. Ao fundo se encontra uma grande construção que se assemelha a uma estufa. “Quanto vale ou é por quilo?” é um filme de 2005 dirigido, roteirizado e produzido por Sérgio Bianchi. Tem como temática central as heranças do passado escravista no Brasil, brincando com a linearidade da narrativa alternando constantemente entre passado e presente de modo a evidenciar as permanências dos interesses de classe, do racismo, e o trabalho escravo. No Brasil pós-abolição o negro se mantém impedido de ser livre. As dívidas para comprar a própria alforria eram altíssimas e levavam a trabalhos degradantes de gerações para que o tão almejado título fosse comprado. Essa cena é retratada inúmeras vezes no filme. O feito escravo, lutando por sua liberdade, trabalhando mais do que já trabalhava para render mais lucros para o seu patrão, para quem sabe um dia ser dono do seu próprio destino. Avançando para os dias de hoje, o filme retrata uma senhora (Miriam Píres), de aproximadamente 70 anos se vendo obrigada a trabalhar para conseguir, minimamente, condições de sobrevivência. A necessidade a impele a conseguir um emprego de faxineira. O salário é a substituição de um direito que ela deveria ter. Sua alforria ainda não foi comprada, para isso lhe cabe a aposentadoria que ainda não veio. Assim, a escravidão é atualizada, um trabalho degradante, em condições deploráveis para que se mantenha o mínimo de dignidade. Os paralelos são claros. A necessidade, independentemente da época, faz com que os mais pobres se vejam obrigados a conseguir qualquer trabalho, por mais indigno que ele seja. Vemos o capitão-do-mato, negro alforriado que perseguia negros em busca de liberdade, refletido assim, na polícia que persegue aqueles que deveria proteger. Portanto, a miséria e a exploração são benéficas por seus fomentadores. Trabalha-se muito para gerar o máximo de renda, mas recebendo o mínimo para que não pare de produzir. Nessa realidade sobreviver é o norte a ser seguido a todo custo. A revolta pelos injustiçados é um caminho que parece natural, porém, as personagens do filme, as feito escravas e as escravas contemporâneas, quando a buscam se vêem perseguidas e roubadas do pouco que conseguiram. Portanto, a permanência da situação não se dá por quem a vive, mas por quem tem o poder de mudá-la mas não quer. Edson Kayaki Jr Graduando em Ciências Sociais (FFLCH-USP) e bolsista do Projeto CineGRI Ciclo 2019-2020. #TrabalhoEscravo #Escravidão #Exploração

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