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Foto do escritorJulia Salazar

Pandemia, desemprego e saúde mental: dá pra se adaptar?

Atualizado: 22 de fev. de 2021


#PraCegoVer: Acima, há duas imagens. À esquerda, há o casal do filme Os sentidos do amor, formado por um homem e uma mulher. Ambos se beijam, mas estão usando máscaras que cobrem nariz e boca. À direita, há uma fila cercada por grades com várias pessoas alinhadas. Não podemos ver onde ela termina. Uma placa na entrada diz "Fila mutirão do emprego". Fontes: http://blog.parperfeito.com.br/dicas/6-filmes-de-romance-para-te-inspirar/attachment/sentidos-do-amor/ e https://imagens.ebc.com.br/l0HFQU772Zt1CuIa5egPyYiYI2g=/1170x700/smart/https://agenciabrasil.ebc.com.br/sites/default/files/thumbnails/image/img_0343.jpg?itok=LB1MZJG5.


O filme Os sentidos do amor (David Mackenzie, 2011) muito tem em comum com o momento pelo qual estamos passando. Nele, uma epidemia desconhecida assola o mundo da noite para o dia. Ninguém conhece precedentes da doença, não há cura, os médicos não sabem como tratar, ela é contagiosa e, dentro de pouco tempo, está sendo espalhada por todo o planeta. As pessoas sentem emoções muito fortes e, quando isso passa, elas não têm mais um dos cinco sentidos. A primeira emoção é uma tristeza profunda: choro, desesperança, sensação intensa de vazio; pessoas tendo ataques de choro no meio da rua, gritando e desesperadas. Quando passa, todos os que tiveram os sintomas perdem o olfato. Isso acontece progressivamente até que todos os sentidos sejam eliminados.


Mesmo assim, em meio ao caos, o filme tem uma mensagem positiva: um casal é o plano de fundo da narrativa e eles aprendem, a cada vez que perdem um sentido, a se adaptar. Há uma bela “moral da história” sobre adaptação e superação das adversidades. Entretanto, é necessário tomar cuidado com essa narrativa de que encontrar uma solução depende única e exclusivamente dos indivíduos o famoso “dar um jeito”.


Calma! Não é que não tenhamos que procurar alternativas às situações nas quais a pandemia nos colocou. Muito menos que não precisamos encontrar meios de contornar tudo o que está acontecendo. Mas precisamos pensar a quem é dada a oportunidade de adaptação, com cautela, a fim de não individualizar questões coletivas e de responsabilidade externa. Periodicamente, elegemos cidadãos para ocupar cargos de governança e gerir o país dentro de uma crise – seja ela financeira, de saúde ou qualquer outro tipo. O que essas pessoas estão fazendo?


Um estudo realizado pela Pnad Covid-19 mostra que, em 4 meses, o desemprego cresceu 27,6% no Brasil [1]. Abaixo, podemos conferir os dados:



Mesmo dentro dessa realidade, no dia 4 de novembro, foi votado no Codefat (Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador) o aumento da quantidade de parcelas de pagamento do seguro-desemprego para quem foi demitido durante a pandemia [2]. O resultado? Negativo. Não apenas o Conselho votou pelo não pagamento de mais parcelas, como também colocou diversos trabalhadores em uma encruzilhada: quem foi demitido no início da pandemia usufruiu do seguro-desemprego, mas agora ficou sem, não pode mais solicitar o auxílio emergencial, pois o prazo terminou em julho. Não há assistência a esses trabalhadores e, mesmo assim, é pedido a eles que "se adaptem". Como se pode cobrar deles algum tipo de adaptação quando não há emprego e quando não se pode nem sair de casa de modo seguro para ganhar dinheiro em ocupações informais?


Os impasses não acabam aí. Além do desemprego, a pandemia acarretou uma série de problemas emocionais que atingem as mais diversas pessoas, de diferentes classes, cores, idades e gêneros. Estresse, insatisfação, tristeza, mal estar e noites mal dormidas são apenas alguns dos sintomas que a população tem enfrentado nos últimos meses. Abaixo, temos informações mais detalhadas sobre isso:



É perceptível que boa parte da ansiedade causada se dá pela preocupação com a instabilidade financeira gerada pelo contexto em que estamos inseridos – algo que podemos ver na série Distanciamento Social (Hilary Weisman Graham e Jenji Kohan, 2020, disponível na Netflix). No episódio “Poderíamos todos navegar juntos pelo oceano”, uma mãe, que é cuidadora de uma senhora, precisa continuar trabalhando. Entretanto, como as escolas estão fechadas, ela não tem com quem deixar sua filha. A solução encontrada é instalar câmeras dentro do apartamento e checar a menina constantemente pelo celular. Porém, em determinado momento, a clínica onde a senhora fica entra em quarentena não será possível sair ou entrar durante duas semanas. A mãe se vê, então, na situação de precisar decidir entre seu trabalho, de cujo salário precisa, e ficar com a filha. A solução encontrada é deixar a menina com a filha da senhora, que é professora. O convívio das duas não começa muito bem a mulher, que mantém bem sua figura de “independente e sem filhos”, não consegue lidar com uma criança interrompendo suas aulas, que já não iam bem devido à pouca colaboração e interesse dos alunos.


Nesses 20 minutos de episódio, é possível identificar várias situações com as quais nos relacionamos: o medo do desemprego, ter que abrir mão do isolamento social seguro na sua própria casa porque seu trabalho não comporta home office, a dificuldade de dividir o mesmo espaço constantemente com as mesmas pessoas, as adversidades que tanto professores quanto alunos encontram no sistema remoto, dentre outros. Delas, fiquemos apenas com o desemprego. Se essa mãe não tivesse encontrado alguém para cuidar de sua filha, ela precisaria renunciar à sua única fonte de renda? Aqui, foi possível encontrar uma alternativa e se adaptar, mas e quando não dá? Como está a saúde mental dessa mãe longe da filha durante 2 semanas e como ficaria caso estivesse com a criança, mas desempregada?


O Brasil passa por um delicado momento em sua história e, infelizmente, milhões de brasileiros estão abandonados à própria sorte. A crise não se vê apenas no aumento do desemprego ou no preço do dólar, mas também nas diversas pesquisas relacionadas à saúde mental apontando para um povo cansado, triste, estressado e sem esperança de melhora. Segundo pesquisa realizada pelo King’s College, há 17 anos, durante a pandemia de SARS, os casos de ansiedade, depressão e estresse pós-traumático aumentaram em 30% dentre os indivíduos que cumpriram quarentena na China, o país mais afetado. Não é apenas difícil falar em adaptação nesse cenário, mas também injusto e cruel com muitas pessoas. Muito se fala merecidamente no heroísmo de nossos médicos e enfermeiros nas linhas de frente, profissionais essenciais nesse momento. Mas e quem cuida dos nossos desempregados e depressivos? Nossas políticas e agendas públicas pendem sempre — e no cenário pandêmico mais aindapara deixá-los sozinhos e desamparados. A eles restam somente o peso da culpa e o fardo da adaptação.

Referências Bibliográficas


[1] CAMPOS, Ana Cristina. Desemprego subiu 27,6% em quatro meses de pandemia. Dados são da pesquisa Pnad Covid-19 do IBGE. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2020-09/desemprego-subiu-276-em-quatro-meses-de-pandemia> Acesso: 08/11/2020


[2] Conselho rejeita parcelas extras do seguro-desemprego na pandemia:

Apoiada por representantes sindicais, a proposta não contou com os votos dos empregadores e do governo. Disponível em: <https://noticias.r7.com/economia/conselho-rejeita-parcelas-extras-do-seguro-desemprego-na-pandemia-04112020>. Acesso: 08/11/2020.


BIERNATH, André. A epidemia oculta: saúde mental na era da Covid-19. Na esteira do coronavírus e seus desdobramentos, transtornos psicológicos como ansiedade e depressão representarão uma segunda onda de estragos à saúde. Disponível em: <https://saude.abril.com.br/mente-saudavel/a-epidemia-oculta-saude-mental-na-era-da-covid-19/>. Acesso: 08/11/2020.


HARTMANN, Paula Benevenuto. "Coronafobia": o impacto da pandemia de Covid-19 a saúde mental. Disponível em: <https://pebmed.com.br/coronofobia-o-impacto-da-pandemia-de-covid-19-na-saude-mental/> Acesso: 08/11/2020.



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