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Foto do escritorJulia Buzzi

O claro enigma do uso político da ciência

Atualizado: 7 de nov. de 2020


#PraCegoVer [FOTOGRAFIA]: No centro da imagem, Benedict Cumberbatch, que interpreta o personagem Alan Turing, está digitando em uma máquina. Ao seu redor, estão uma mulher e outros três homens, todos vestidos com roupas do século XX. O fundo da imagem se assemelha a um galpão. Fonte: https://acreandoporai.wordpress.com/2015/03/30/joan-clarker-e-o-jogo-da-imitacao/


De acordo com o dicionário, “enigma” significa mistério, pergunta de difícil interpretação ou aquilo que não se compreende. Entretanto, durante a Segunda Guerra Mundial, essa palavra era muito mais do que apenas um verbete no dicionário. Enigma era o nome da máquina utilizada pelos alemães para enviar mensagens militares criptografadas, aparentemente indecifráveis. A partir dessa máquina, é possível notar como a ciência pode ser instrumentalizada para fins políticos, revelando a linha tênue entre integridade e conhecimento.

É justamente esse o tema de O Jogo da Imitação (Morten Tyldum, 2014). O filme mostra como o governo britânico contou com a ajuda dos melhores cientistas do mundo para desvendar a Enigma e vencer a guerra. Liderada pelo famoso Alan Turing (Benedict Cumberbatch), a equipe conseguiu criar uma máquina capaz de decodificar as mensagens alemãs, vencendo a ciência com a própria ciência. De acordo com historiadores, esse feito foi capaz de encurtar o conflito em mais de 2 anos, salvando cerca de 14 milhões de vidas. Assim, é possível perceber que “o conhecimento é em si mesmo um poder” (Francis Bacon), cabendo aos indivíduos decidir o que fazer com esse poder.


Embora a Segunda Guerra tenha acabado há 75 anos, a estreita relação entre ciência e política ainda se faz sentir no presente. As chamadas Fake News são um claro exemplo disso: apresentadas ao público como verdadeiras, as notícias são utilizadas para espalhar desinformação e moldar o pensamento dos indivíduos. Repetidas milhares de vezes, o que antes era mentira passa a ser entendido como verdade, anulando o esforço de pesquisadores e estudiosos para produzir conhecimento de qualidade. Esse fenômeno se assemelha ao duplipensamento presente na obra 1984 (ORWELL, George), conceito que se caracteriza pela capacidade de dizer mentiras deliberadas e, ao mesmo tempo, acreditar sinceramente nelas. Para que a sociedade não alcance o nível de alienação ilustrado no livro de Orwell, o primeiro passo é reconhecer que o conhecimento acaba sendo – de fato – desvirtuado a favor de interesses políticos e ideológicos, influenciando tanto na vida pessoal quanto no convívio coletivo.


#PraCegoVer [FOTOGRAFIA]: À esquerda, são encontradas duas máquinas grandes com fiação vermelha. À direita, Benedict Cumberbatch, que interpreta o personagem Alan Turing, olha para a câmera. Ele veste blusa social listrada, gravata de poá azul e suspensório. Na sua mão esquerda, é possível encontrar uma folha de papel. Fonte: https://veja.abril.com.br/blog/e-tudo-historia/cura-gay-e-ponto-real-e-cruel-do-filme-o-jogo-da-imitacao/


Desse modo, o questionamento que resta é como fazer a política atuar a serviço da ciência (e não o contrário). Segundo Mariana Barbosa, “Botões de curtidas e compartilhamento viraram armas, usadas para viralizar mentiras, influenciar políticas e conquistar poder” [1]. Assim como no filme O Jogo da Imitação o personagem principal entendeu que, para vencer uma máquina, era necessário outra máquina, a sociedade atual também precisa se armar com as mesmas ferramentas do adversário. É fundamental fazer a Ciência circular para além dos meios acadêmicos, promovendo um diálogo mais aberto com a sociedade em geral. A pesquisadora Natália Pasternak, posicionando-se acerca do corte de verbas para a atividade científica, declarou:


“Enquanto nós não fizermos um esforço para esclarecer à população e aos representantes eleitos que Ciência é um bem essencial, talvez a gente perca essa batalha. É muito importante investir nesse momento em uma comunicação transparente e honesta com a sociedade e pedir o apoio dos representantes eleitos para que a Ciência seja financiada e mantida de forma contínua, e que seja considerada um bem tão essencial quanto saúde e educação – porque, inclusive, não existe saúde e educação sem investimento em Ciência.” [2]


Em uma época tão conturbada quanto a atual, em que o mundo enfrenta a pandemia de Covid-19, a Ciência se mostra cada vez mais indissociável da vida social e política, sendo necessário ficar atento para o uso que se faz dela. Enquanto a Ciência pode descobrir a cura para o coronavírus, ela também pode ser manipulada para espalhar inverdades e preconceito. Em conclusão, deve ser mantida em mente a frase proferida por Samuel Johnson: “Integridade sem conhecimento é fraca e inútil, mas conhecimento sem integridade é perigoso e horrível”.


Júlia Cristina Buzzi

Graduanda em Relações Internacionais (IRI-USP) e bolsista do Projeto CineGRI Ciclo 2020/2021.



Referências bibliográficas:


[1] SINGER, Peter Warren. Entrevista “Guerra de likes”: Precisamos dominar as ferramentas e fazer a verdade viralizar. Em M. Barbosa (Org.), Pós-Verdade e Fake News: Reflexões sobre a Guerra de Narrativas (p. 97-107). Rio de Janeiro: Editora de Livros Cobogó, 2019.


[2] O PL 529 PREJUDICA A CIÊNCIA PAULISTA. Jornal da USP, 2020. Disponível em: https://jornal.usp.br/universidade/o-pl-529-prejudica-a-ciencia-paulista/ Acesso em: 30/09/2020



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