Fonte: G1 Fonte: Blog Tela Botequim
#PraCegoVer [FOTOGRAFIA]: Duas imagens separadas por uma linha branca. A primeira mostra a personagem Farah (Baya Medhaffer), do filme Assim que Abro Meus Olhos (2015), em um palco olhando para o lado com um sorriso. A segunda é uma cena do filme Clash (2016), mostrando vários homens dentro de um camburão.
A onda revolucionária produzida pela Primavera Árabe gerou repercussões em diversos aspectos da vida social na região, inclusive na produção cinematográfica. Iniciada em dezembro de 2010 na Tunísia, os primeiros protestos tiveram por estopim a autoimolação de Mohamed Bouazizi, em forma de manifestação contra a corrupção policial e os abusos políticos cometidos pelo regime do presidente Zine El Abidine Ben Ali – o que levou à sua renúncia após 23 anos no poder. Da Tunísia, a insurreição se espalhou por quase toda a região, levando à renúncia ou troca de vários chefes de Estado, dentre eles o presidente Hosni Mubarak do Egito e o presidente Muammar al-Gaddafi da Líbia. Uma vertente do cinema árabe, a partir de então, traçou um caminho cujo mote tem sido o enfrentamento dos novos desafios do mundo árabe, direcionado principalmente à ampliação da liberdade de expressão.
É assim que, através da insurreição social e política, o mundo árabe apresenta atualmente uma vasta gama de filmes que busca demonstrar as questões que afligem as novas gerações. Exemplo disso é o longa-metragem tunisiano Assim que Abro Meus Olhos (2015), da jovem cineasta Leyla Bouzid, construído ao redor da trajetória de Farah (Baya Medhaffer), estudante que personifica os anseios e inconformismos da geração que logo estaria na linha de frente da Primavera Árabe. Cantora de uma banda de rock, Farah vivencia um novo mundo ao chegar à adolescência, desfrutando das festas à noite, e contrariando os cânones ditados por sua mãe, Hayet (Ghalia Benali), que pretende ver sua filha médica. Ambientado nas vésperas da revolução que derrubou o presidente Ben Ali logo, o filme logo mostra como a protagonista e seus amigos descobrem a repressão policial, que pretende calar as vozes dissidentes até mesmo de rebeldes sem militância política. O furor da repressão vivenciada por Farah é poeticamente exaltada ao cantar nas apresentações de sua banda de rock.
Já Clash (2016), dirigido pelo jovem diretor egípcio Mohamed Diab, se passa ao longo de um dia de protestos no Cairo em virtude do golpe militar que derrubou o presidente Mohamed Morsi, sucessor de Hosni Mubarak, que caíra dois anos antes. O filme é ambientado em um camburão policial que começa vazio e vai se enchendo de pessoas ao longo do enredo. A diversidade das pessoas e dos propósitos que vão se acumulando no camburão trazem o tom do questionamento político. Dentre os presos estão pessoas das mais variadas idades e posições políticas, chegando a certas condições absurdas desde o aprisionamento de pessoas apoiadoras do governo que são confundidas, até uma criança. A confusão que se inicia dentro do veículo é um reflexo da diversidade de opiniões que se pretende demonstrar.
Os filmes, eminentemente políticos, são manifestações das flores deixadas pela Primavera Árabe. A nova tonalidade do cinema árabe permite que as cores desse movimento histórico sejam impressas nos olhares dos espectadores com as experiências daqueles que lutaram por suas visões de mundo em condições adversas.
Cassiano Ribas
Graduando em Ciências Sociais (FFLCH-USP) e bolsista do Projeto CineGRI Ciclo 2019/2020.