#PraCegoVer [FOTOGRAFIA]: Duas meninas pré-adolescentes estão em bicicletas vermelhas em frente a um muro de uma escola municipal. Ao fundo, crianças observam a movimentação. Extraído de: https://globofilmes.globo.com/uploads/legado/filmes/104/galeria/prodianascerfeliz4.jpg
Pro dia nascer feliz/O mundo inteiro acordar/E a gente dormir. Esse é o refrão da música do Barão Vermelho, eternizada na voz de Cazuza. Das interpretações possíveis, pro dia nascer feliz, alguém tem que estar trabalhando enquanto outros dormem. E quem trabalha, não surpreendentemente, faz parte das camadas mais vulneráveis da sociedade.
Pro dia nascer feliz é um documentário de 2006 dirigido por João Jardim, que aborda a desigualdade na educação brasileira. Na primeira parte, o documentário expõe a realidade dos estudantes de Manari, interior de Pernambuco, fazendo contraposição na segunda parte com alunos de uma escola no Rio de Janeiro e de uma escola particular localizada no Alto de Pinheiros, o Colégio Santa Cruz, na cidade de São Paulo, ilustrando o abismo da diferença da educação do país.
Em um país continental e de herança colonialista como o Brasil, não é de se surpreender que os índices de desigualdade sejam gritantes e que, obviamente, reflitam na educação pública. Em menos de dez minutos de filme, é exposto que o Censo escolar do MEC em 2004 marcava que das 210 mil escolas do país, 13,7 mil não possuíam banheiros, enquanto 1,9 mil não possuíam água. O que não se esperava era que, dezesseis anos depois da finalização do documentário, com a pandemia da Covid-19, a acentuação da desigualdade no âmbito escolar gritaria ainda mais intensamente, considerando que o número de evasão escolar se acentuou, ora pela dificuldade apresentada pelo ensino online ora pela falta de acesso à internet. Sendo assim, em 2020, os números do Censo escolar se encontram desta maneira:
E quando falamos em educação, não falamos apenas de estudantes, mas de funcionários de escolas. Professores entrevistados para o documentário alegam o cansaço, o descaso do governo e a falta de manutenção do ambiente escolar que causam desmotivação. Uma das professoras diz: “Estamos vivendo a escola do século passado. Ela não cumpre mais a sua função. Tem que ser repensado.”. E o questionamento é: como tornar o ensino mais horizontal, atual e democrático enquanto todo o resto que permeia é exatamente o oposto desse sonho?
E falando em sonho, quais são os sonhos dos estudantes? Quais as vontades, prioridades, realidades, quais as lutas? No documentário é nítido como essas questões mudam dependendo de seu lugar de origem. Um exemplo está nas preocupações das meninas do colégio paulistano de elite. Uma delas se queixou que não gostaria de dedicar seu tempo com caridade, pois isso atrapalharia o horário das aulas de natação. Outra disse que, por ser estudiosa, relacionou-se com apenas um menino durante o ano inteiro e se perguntou se isso a fazia ser menos mulher. Enquanto isso, as garotas do interior pernambucano possuem problemas que superam as vontades e dizem respeito à sua sobrevivência. Valéria, uma das meninas, diz que a acham estranha por gostar de ler. Que gostaria de ir à escola todos os dias, mas não pode, pois tem que ajudar com a renda familiar. Ao final, Valéria, a adolescente pernambucana, lê um poema que escreveu para a aula de português, perguntando qual o sentido da vida. E quem tem essa resposta? A angústia, afinal, é um sentimento universal. O que só muda são os motivos.
Marcela Sayuri
Graduanda em Letras (FFLCH) e bolsista do Projeto CineGRI Ciclo 2020-2021
Referências bibliográficas:
Censo Escolar. Disponível em: http://censobasico.inep.gov.br/censobasico/. Acesso em: 23 de fevereiro de 2021.
Pro dia nascer feliz (João Jardim, 2006). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=nvsbb6XHu_I&t=4024s. Acesso em: 23 de fevereiro de 2021.
Pro dia nascer feliz. https://globofilmes.globo.com/filme/prodianascerfeliz/. Acesso em: 23 de fevereiro de 2021.
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