“Hoje longe, muitas léguas/ Numa triste solidão/ Espero a chuva cair de novo/ Pra mim voltar pro meu sertão”, na música Asa Branca (1947), Luiz Gonzaga destaca, assim como muitos de sua época, a movimentação migratória devido a seca que assombrou o sertão nordestino durante muitas décadas. Uma migração que buscava sobrevivência, trabalho e uma condição de vida melhor. A área destacada esteve ligada durante muito temp o com a agricultura de subsistência. Com a seca que aflorou a região, durante a primeira metade do século XX, muitas dessas famílias começaram a passar fome e se submeteram a situações sub-humanas, pois a ausência de alimentos exalta os instintos primários de uma civilização, como relata Josué de Castro em seu livro Geografia da Fome (1946).
O filme de Nelson Pereira dos Santos, adaptação do livro de Graciliano Ramos, Vidas Secas (1963) aborda muito bem esse aspecto “animalesco” que Josué retrata em seu livro. Já no início do longa, a família sujeitada à fome, mata e se alimenta do próprio animal que o acompanha em seu processo migratório. A família de Fabiano vive uma história cíclica de migração, em busca de subsistência e de pertencimento a algo, pois nem nome os filhos possuem. A imagem que o filme traz se assemelha com a da obra de Cândido Portinari, Retirantes (1944), uma família, com aspecto cansado e enfraquecido, que sem muitos pertences se desloca do local de origem em busca de um lugar melhor para viver. Porém, o quadro, assim como Vidas Secas, não se limitam apenas ao retrato artístico, são a realidade de uma grande parte da população brasileira no início do século XX.
A fome que tantos relatam como a principal causa é apenas uma consequência de uma sociedade desigual, a qual apresenta um extremo de desenvolvimento econômico, tecnológico e industrial, se contrapondo a outra extremidade de total estagnação desenvolvimentista, a da agricultura (CASTRO. 1946). Vale salientar que essa desigualdade social se espalha também pelo espaço em que ela se encontra, ou seja, há locais onde a industrialização e o desenvolvimento, como em metrópoles, é intenso comparado a outras áreas, em geral rurais.
Historicamente se sabe que o movimento migratório a regiões desenvolvidas é uma das maiores, sendo justificada pela vontade de saciar a fome e por aumentar suas condições econômicas, muitas vezes através do trabalho. Este, por sua vez, está ligado principalmente com os interesses do mercado de agregar mão de obra para o local, em busca de aumentar a produção de materiais e gerar mais lucro para os empregadores. O sujeito é manipulado pelo empregador que tem intenção de produzir mais, em menos tempo, retendo capital para a classe superior da economia (PÓVOA-NETO. 1997). Dessa forma, o trabalhador que de início buscava a subsistência através da migração, acaba inserido em um meio que impulsiona ainda mais a desigualdade já existente na sociedade pois, ao se movimentar, se torna um meio de produção, é sujeitado a situações precárias de moradia e muitas vezes de alimentação. As pessoas deixam de ser vistas como humanas e passam a ser um objeto econômico.
Tal relato é exposto no documentário Maquilapolis (2006), de Vicky Funari. Esse, através de declarações, conta a situação dos migrantes e trabalhadores em Tijuana, fronteira entre os Estados Unidos e o México e que concentra muitas empresas. Os baixos salários e a precarização do local mostram a condição em que os migrantes se sujeitam pós ato, ou seja, apesar de todos os problemas, essa situação ainda se torna, para eles um refúgio da precarização social em que estavam sujeitos em seu local de origem.
Raiane Forti
Graduanda em Geografia (USP) e Bolsista do Projeto CineGRI
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