#PraCegoVer [Ilustração]: A ilustração minimalista mostra 5 mulheres (uma menina
(criança), três mulheres adultas e uma senhora) lado a lado se apoiando com os braços,
como uma forma de união ou apoio.
Fonte: https://www.ifad.org/documents/38714174/41498996/gender_violence_story.jpg/0238
73a5-a466-34fa-4c4e-17a1a9088182?t=1606236260000
O documentário Eles Matam Mulheres, produzido e distribuído pela TV Cultura, tem
um grande papel ao romper o silêncio e estabelecer uma importante discussão acerca do
tema: Violência contra Mulheres. A produção é direcionada a mostrar os quase 40 anos de
luta em prol da vida das mulheres a partir das histórias de 13 delas. Além disso, traz destaque para alguns dos casos que mais chocaram a população brasileira, veiculados nas grandes mídias, como os de Eliza Samúdio e Mércia Nakashima, mulheres que tiveram suas vidas arrancadas pelos agressores.
Antes de mais nada, para estabelecermos questionamentos a respeito desse tema,
é importante contextualizar e destacar que sociedades modernas foram construídas com
base na estrutura patriarcal, ou seja, homens fazem a manutenção do poder primário e
predominam em funções de liderança, além de serem vistos como a figura de autoridade
dentro das famílias. Então, o Brasil não está distante dessa realidade machista que é
completamente enraizada na nossa cultura.
O combate a essa estrutura, a fim de que mulheres tenham direitos básicos, sempre foi um processo longo e muito difícil, pois absurdos eram legislados pelo Código Civil. Um grande exemplo disso está no Código Civil de 1916, no qual mulheres casadas só podiam trabalhar fora se o marido permitisse, além de que essa autorização poderia ser revogada a qualquer momento. Então, se as mulheres não tinham nem o direito básico ao trabalho, conseguir liberdade para falar sobre suas vontades, necessidades e escolhas foi ainda mais complicado.
Assim, a construção social de muitas mulheres, até os dias atuais - desde pequenas
são induzidas à romantização por grandes obras cinematográficas e literárias -, parte do
princípio de que sua "missão de vida", muitas vezes atrelada à religião, consiste em ter
filhos, cuidar do marido e lutar pelo seu casamento, enquanto se tem a ideia de que o
homem é o detentor da renda financeira da família e deve buscar trabalho. Com isso, a
mulher passa a ser considerada uma propriedade pelo marido, perdendo sua voz, sua autonomia e sendo inferiorizada. Muitas vezes, é a partir desse ponto que se inicia a violência, apresentada em diferentes formas.
“Por que as mulheres e meninas não enxergam a violência? Porque se associa violência com agressão física, soco no olho, mas na verdade a violência é um caminho de se controlar, isolar e dominar uma mulher. Esses atos de controle são percebidos como se fosse um cuidado, um gesto de amor.” Eles Matam Mulheres (Vanessa Lorenzini, 2020)
O ciclo da violência
Estudando comportamentos agressivos dentro dos relacionamentos amorosos, mesmo que esses apresentem singularidades e múltiplas formas de opressão, a psicóloga norte-americana Lerone Walker observou padrões entre as agressões cometidas e um ciclo que se repetia constantemente e o definiu como O ciclo da violência, dividido em 3 Fases:
Fase 1 – Aumento da Tensão
O agressor começa a ficar tenso e irritado com qualquer situação, qualquer coisa o
incomoda. Inferioriza a vítima e a humilha, fazendo ameaças e possivelmente destruindo
objetos. A vítima tenta “acalmar” o agressor mudando seu comportamento para não
provocá-lo de alguma forma. Muitas vezes, a vítima nega que está passando por essa
situação pois ninguém quer falar para as pessoas que conhece que passa por um
relacionamento abusivo.
Fase 2 – Ato de violência
Aqui, o agressor explode, não consegue mais se controlar e chega ao ato definitivo
de violência. Há uma materialização de toda a tensão acumulada na Fase 1. A mulher,
mesmo sabendo que está passando por um problema, muitas vezes não tem reação e fica
impossibilitada de agir. Ela pode tomar decisões a respeito do agressor, acaba se afastando
mas não o larga definitivamente.
Fase 3 – Arrependimento e Comportamento Carinhoso
O agressor se arrepende do que fez e volta a ser amável para uma possível
reconciliação do casal. A mulher abre mão dos seus direitos e recursos por considerar que
o parceiro vai mudar de comportamento. Por fim, o ciclo é retomado para a Fase 1. Muitas vezes, mulheres só saem desse ciclo quando são mortas pelo agressor.
A Lei Maria da Penha
O documentário apresenta uma entrevista exclusiva com Maria da Penha contando sua luta após ser vítima de uma dupla tentativa de feminicídio por parte de Marco Antonio Heredia Viveros, seu marido na época. Infelizmente, sua luta apenas se iniciava, pois na época do crime não existia nem uma Delegacia da Mulher no país. Além disso, mesmo o agressor sendo sentenciado a 15 anos de prisão em seu primeiro julgamento no ano de 1991, saiu em liberdade do fórum após solicitações da defesa. Após o acontecimento, Maria da Penha continuou lutando por justiça e em 1996 um segundo julgamento foi realizado, porém
seu ex-marido não cumpriu a pena por alegações de irregularidades processuais. Então, depois de ganhar notoriedade internacional e intervenções de um grande movimento legislativo, o Estado foi responsabilizado por negligência e tolerância à violência contra a mulher, em relação ao seu gênero. Assim, uma grande conquista para os direitos das mulheres no Brasil surgia, tendo em vista que muitas vezes as agressões que ficavam entre quatro paredes começaram a serem mostradas para a sociedade, órgãos públicos e entidades de defesa e apoio, fazendo com que aquela mulher que sofria dentro do ciclo de violência conseguisse se livrar do seu agressor. O fato de sofrer agressão em razão de seu gênero ganhou espaço na luta por direitos, inclusive com a alteração do código penal para a lei do Feminicídio em 2015.
Sendo assim, é possível identificar que o Brasil conquistou como nação uma legislação avançada, que tem um poder enorme para salvar as vidas das mulheres que correm perigo, mas infelizmente o nível de impunidade é bastante alto, tendo em vista a quantidade de casos televisionados diariamente nos quais os autores dos crimes têm penas brandas ou muitas vezes não são nem condenados. A violência contra as mulheres é um problema enraizado na nossa história e precisa ser combatido com mais atenção desde a infância, invertendo os valores consumados pela estrutura social entre meninos e meninas, para que haja uma saída de valorização e liberdade das mulheres.
Lucas Moreira Pinto
Aluno de Sistemas de Informação (EACH-USP) e bolsista do
CineGRI Ciclo 2020/2021
Referências Bibliográficas:
Ciclo da Violência. Instituto Maria da Penha. Disponível em: <https://www.institutomariadapenha.org.br/violencia-domestica/ciclo-da-violencia.html>.
Acesso em: 19 de Maio de 2021.
CUNHA, Ana. Cinco Fatos Sobre Direitos das Mulheres no Brasil. Aos Fatos, 2019.
Disponível em: <https://www.aosfatos.org/noticias/cinco-fatos-sobre-direitos-das-mulheres-no-brasil/. Acesso em: 19 de Maio de 2021.
MUNOZ, Elina. América Latina é a região mais letal para as mulheres. El País, 2018. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/11/24/actualidad/1543075049_751281.html>. Acesso
em: 19 de Maio de 2021.
TV Cultura apresenta documentário sobre feminicídio com casos de Eliza Samudio e Mércia
Nakashima. Cultura Uol, 2020. Disponível em: <https://cultura.uol.com.br/noticias/14253_tv-cultura-apresenta-documentario-sobre-feminicidio-com-casos-de-eliza-samudio-mercia-nakashima-entre-outros.html> Acesso em: 19 de Maio de 2021.
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