Fonte: Flickr.com
#PraCegoVer [FOTOGRAFIA]: A imagem apresenta uma menina sentada em uma cama, com o rosto inclinado para cima. Ela possui batom vermelho nos lábios e uma expressão séria na face. Sua blusa azul está desatada, deixando duas alças recaídas a frente de seu corpo. Os dedos das mãos, virados para cima, estão sujos de sangue. Ela também veste uma mini saia rosa desbotada.
Desde a antiguidade, diferentes povos ao redor do globo praticavam a escravidão. Prisioneiros de guerra e pessoas endividadas foram os principais alvos desse sistema em civilizações como a romana, onde o trabalho compulsório não possuía restrições étnicas, diferindo da prática posteriormente adotada pelo sistema colonial. Neste, a lógica mercantilista que visava o acúmulo de capital pelos estados nacionais usou a questão racial como justificativa para a escravidão africana e teve como pano de fundo o rentável tráfico de nativos do continente pelo Atlântico. Entretanto, mesmo que em 1948 a Organização das Nações Unidas tenha proclamado no artigo IV da Declaração Universal dos Direitos Humanos a proibição mundial de qualquer tipo de trabalho análogo à escravidão, mais uma vez o escravismo adquiriu novos moldes e foi implantado por diversos setores das economias do século XX. Mas o alvo continuou sendo o mesmo, as populações em vulnerabilidade social.
Sendo assim, no Haiti é muito comum ouvir falar das Restavek, crianças que são enviadas por seus pais para trabalhar em outros países em busca de melhores condições de vida. Em determinadas regiões do Brasil existem aplicações muito comuns a essa, como por exemplo os casos onde algum familiar ‘pega uma sobrinha para criar’ mas essa criança não passa a possuir as mesmas condições de vida que possuem os outros filhos do mesmo, sendo muitas vezes transformada em escrava doméstica.
Fato parecido é retratado no filme Anjos do sol, 2006, dirigido por Rudi Lagemann, que conta a história da menina Maria (Fernanda Carvalho), de apenas 12 anos de idade, que é vendida pela família para um caixeiro viajante, pois assim poderia buscar uma vida com maiores oportunidades. Segundo o pensamento da mãe da protagonista, o homem poderia lhe arrumar um emprego em uma casa, o que talvez possibilitaria um encontro com uma de suas irmãs que teve o mesmo destino. Mas ela não encontra a irmã, afinal, foi levada para ser explorada sexualmente por uma rede de sucessivos criminosos.
Uma das cenas mais chocantes do filme remete a um leilão onde garotas menores de idade são ofertadas como produtos para homens mais velhos e poderosos. A partir daqui, uma série de atrocidades passam a envolvem a vida de Maria, que é comprada por um fazendeiro para tirar a virgindade do filho, violentada por ele e mandada para um bordel em Socorro onde, como é típico da escravidão contemporânea, ela acumula dívidas pelo seu quarto, roupas e comida, consequentemente não recebendo pagamento.
Logo, muitas das crianças e adolescentes exploradas no mundo, além de serem vendidas ou abandonadas pelos pais e o estado, também podem ter sido obrigadas a largar a escola para trabalhar. É o que retrata o filme Sueco-dinamarquês de 2002 dirigido por Lukas Moodysson Lilya 4ever, que faz duras críticas tanto ao capitalismo e seu incentivo ao consumismo em massa quanto ao decadente socialismo russo, ambos internamente ligados ao tráfico humano.
Dessa maneira, temos Lilya (Oksana Akinshina), uma adolescente de 16 anos que mora em uma região bastante afetada pela pobreza na Rússia. Ela e a mãe sonham com dias melhores nos Estados Unidos após a promessa que seu padrasto faz de levá-las para lá. Contudo, ele muda de ideia e pede que apenas a mãe vá. Assim, a jovem é deixada com uma tia e pouco dinheiro. Quando se viu sem comida e nem luz ela resolveu entrar para o mundo da prostituição. Em um dos programas foi agredida e socorrida por um rapaz que a viu caminhando na rua. Depois de um tempo, os dois passam a ter uma relação mais íntima e ele a convida para trabalhar na Suécia. Ela aceita e assim que chega no país tem seu passaporte retido por um homem que a tranca em um apartamento, saindo apenas quando é obrigada a se prostituir, gerando ganhos ao cafetão.
Ambos os filmes denunciam a indústria de exploração sexual, que semelhante a outras formas de escravidão tem como alvo as partes de uma nação a margem dos planos políticos, que vem a ser obrigadas a se contentar com subempregos desumanos e o não exercício do seu direito de cidadão. São frutos de Lei Áureas mal resolvidas ou nem ao menos criadas pelo mundo afora, de estratégias das iniciativas privadas ligadas a presidentes que tentam apagar da lei o desconforto do verossímil e inviável economicamente.
Kelly Barbosa
Graduanda em Letras (FFLCH-USP) e bolsista do Projeto CineGRI Ciclo 2019-2020.
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