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Foto do escritorYan Carvalho

A produção da vacina e os resquícios do colonialismo

“A China, lamentavelmente, já existe um descrédito muito grande por parte da população, até porque, como muitos dizem, esse vírus teria nascido por lá”. A frase proferida pelo presidente Jair Bolsonaro ao se referir à Coronavac, imunizante produzido pelo Instituto Butantã com insumos chineses, serve como um bom panorama para entender a narrativa de descrédito, baseada em ideais racistas e xenofóbicos, que vem se alastrando desde o início da pandemia de Covid-19. Nesta lógica, somente países desenvolvidos economicamente, que tradicionalmente se localizam no centro do sistema capitalista, seriam capazes de oferecer alternativas seguras para conter o vírus. Mas será que isso condiz com a realidade?



Dados fornecidos pelo Centro de Estudos de Casos Globais de Covid-19, da Universidade Johns Hopkins, ajudam a evidenciar que essa narrativa não se sustenta. Países com altos índices de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), como os Estados Unidos (0,915), Reino Unido (0,907) e Itália (0,873), registraram muito mais mortes pelo vírus em comparação com nações mais pobres, tais como: Libéria (0,430), Tanzânia (0,521) e Haiti (0,483). É claro que diversas variáveis como nível de testagem e acesso à informação devem ser consideradas, mas, ainda assim, esses números possuem seu valor de comparação.


Para além do preconceito existente nos discursos adotados por certas lideranças, também podemos observar como a desigualdade opera no acesso aos insumos e produção das vacinas. Países ricos como o Canadá, por exemplo, adquiriram doses suficientes para vacinar seus cidadãos cinco vezes. Outras nações economicamente desenvolvidas como Estados Unidos e Reino Unido contaram com tecnologia e mão de obra suficientes para desenvolver seus próprios imunizantes, sem depender de insumos estrangeiros.



Já nos países que se localizam na periferia do sistema capitalista, com menor capacidade de produção e aquisição de imunizantes, o cenário é absolutamente distinto. Dados da Oxford Martin School afirmam que as regiões Sul-Americana e Africana possuem média de somente 0,11 e 0,01 vacinados por grupo de cem pessoas, respectivamente. Enquanto isso, continentes mais ricos como América do Norte e Europa contam com níveis de 3,21 e 1,65, nessa ordem.



#PraCegoVer [FOTOGRAFIA]: Dois personagens discutem em frente ao leito de um hospital. O da esquerda segura uma garrafa de água, já o da direita, segura um papel dobrado. Enquanto isso, o médico observa a conversa enquanto coloca sua mão direita sob o paciente deitado na cama e com a mão esquerda segura uma caixa branca, que aparenta ser um medicamento. Fonte: http://www.tropadercy.com.br/2017/09/o-jardineiro-fiel-recomendacao-de-filme.html


O filme “O Jardineiro Fiel” (Fernando Meirelles, 2005) aborda as desigualdades socioeconômicas em nível global, em um roteiro de ficção que denuncia crimes cometidos pela indústria farmacêutica, em conjunto com o governo britânico, em solo queniano.


Na trama, o diplomata Justin Quayle (Ralph Fiennes) investiga o assassinato de sua esposa Tessa (Rachel Weisz), ativista de direitos humanos morta em circunstâncias suspeitas e pouco esclarecidas. O roteiro levanta questões importantes como a corrupção, a assimilação cultural e as relações desiguais de poder, que permitem um verdadeiro genocídio sob solo estrangeiro, sem nenhuma punição ou investigação, evidenciando a manutenção de um contexto colonialista no continente africano. É inevitável traçar paralelos com nosso contexto atual, no qual direitos humanos fundamentais, como o acesso à saúde pública universal e gratuita de qualidade, ficam à mercê de interesses econômicos, capitaneados por nações ricas e grandes corporações.


A pandemia de Covid-19 serviu para evidenciar que estamos longe de viver em mundo igualitário. A capacidade de resposta às catástrofes e desastres naturais estão diretamente ligadas à capacidade produtiva e riqueza econômica das nações. O investimento em ciência, tecnologia e educação são fundamentais para garantir que todos os países estejam preparados para responder à altura aos próximos desafios que o futuro nos reserva.


Yan Carvalho

Graduando em Ciências Sociais



Referências bibliográficas:


CHARLEAUX, João Paulo. A desigualdade entre países ricos e pobres no acesso à vacina Nexo, 2021. Disponível em: <https://www.nexojornal.com.br/expresso/2021/01/22/A-desigualdade-entre-pa%C3%ADses-ricos-e-pobres-no-acesso-%C3%A0-vacina>. Acesso em: 20 de fevereiro de 2021


Covid-19: África lança rede para estudar o novo coronavírus. DW, 2020. Disponível em: <https://www.dw.com/pt-002/covid-19-%C3%A1frica-lan%C3%A7a-rede-para-estudar-o-novo-coronav%C3%ADrus/a-54881382>. Acesso em: 20 de fevereiro de 2021


Mapa da situação. Correio da Manhã, 2021. Disponível em: <https://www.cmjornal.pt/coronavirus/mapa-da-situacao>. Acesso em: 20 de fevereiro de 2021


Mapa da vacinação no mundo: quantas pessoas já foram imunizadas contra o Covid-19?. Opera Mundi, 2021. Disponível em: <https://operamundi.uol.com.br/coronavirus/67957/mapa-da-vacinacao-no-mundo-quantas-pessoas-ja-foram-imunizadas-contra-covid-19>. Acesso em: 20 de fevereiro de 2021


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